Assessora de Guedes diz que largou vida milionária por emoção com Bolsonaro

Braço direito do ministro Paulo Guedes desde o início do governo Jair Bolsonaro, Daniella Marques Consentino, 42, que assumirá o posto de secretária especial de Produtividade e Competitividade, é uma das poucas mulheres com voz no Ministério da Economia.

Ela entrou no governo como chefe da Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos de Guedes. Nesses três anos, Marques ficou fora dos holofotes, porque “não gosta de aparecer”, segundo colegas. Nos bastidores, porém, além de ter um canal direto com Guedes, costuma despachar também com o presidente Jair Bolsonaro, mesmo sem a presença do ministro.

A executiva entrou no governo abrindo mão de uma carreira rentável no mercado financeiro para ajudar Guedes a implementar seu ambicioso programa neoliberal, que prometia uma série de reformas, a arrecadação de mais de R$ 1 trilhão com privatizações e reduzir drasticamente o tamanho do Estado.

Com a gestão se aproximando do fim, o ministro acumula frustrações. Das reformas, apenas a da Previdência avançou. Além disso, críticos apontam que Guedes cedeu ao populismo e abraçou medidas de aumento dos gastos públicos visando reeleger Bolsonaro no ano que vem.

Marques costuma rechaçar as críticas e defende que Guedes teve que mudar de estratégia por causa da pandemia. Argumenta que o governo gastou mais de 10% do PIB com programas como o auxílio emergencial e o BEm (de redução de jornada e salários). E reforça que apesar de “pegarem um país quebrado” terminaram 2021 com superávit.

Em relação à demora das grandes reformas, o discurso é o mesmo de Guedes: de que outras importantes matérias avançaram como a autonomia do Banco Central, a lei de falências, o marco legal do saneamento e também o do gás e a lei da liberdade econômica.

Marques costuma defender o presidente e afirmar que nunca o viu adotar posturas antidemocráticas, apesar de Bolsonaro ter apoiado publicamente atos com viés golpista, como nos protestos de 7 de setembro deste ano. Para ela, seu papel é explicar a Bolsonaro a agenda econômica e convencê-lo a apoiá-la.

À coluna, Guedes classificou Marques como uma pessoa “confiável, guerreira, inteligente e leal”. “Nosso lema é ‘no retreat, no surrender’, ou seja, a gente não recua e não se rende”, disse o ministro, usando linguagem de guerra. “Ela comprou esse pacote todo [de estar no governo]. Enquanto muitos homens desistiram ou foram abatidos pelo caminho, ela segue”, afirmou o ministro.

Na oposição e no governo, fontes ouvidas pela coluna nos últimos meses descreveram Marques como uma profissional “séria”, “comprometida” e que tem um “jeito incisivo”. No baixo escalão do ministério, no entanto, ela foi apontada como dura por alguns membros.

A maneira enfática de defender Guedes ficou marcada no início do governo, quando Marques bateu boca com a deputada Maria do Rosário (PT-RS).

Foi em abril de 2019, em uma comissão que discutia a reforma da Previdência. Na ocasião, o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) disse que Guedes era “tigrão” com os aposentados e professores, e “tchutchuca” com os privilegiados e com os “amigos banqueiros”. Guedes se exaltou, respondendo que “tchutchuca” seria a mãe do deputado.

No meio do tumulto, Maria do Rosário afirmou ter sido ofendida por Marques e exigiu que a auxiliar de Guedes fosse levada para a delegacia da Polícia Legislativa na Câmara. Não houve registro de ocorrência.

Procurada para falar da briga, a deputada afirmou que Marques pareceu não entender as limitações de seu cargo. “Eu não a conhecia e ainda não a conheço. Talvez seja uma pessoa que, na oportunidade, me pareceu simplesmente não saber o limite de sua atuação em um debate oficial entre Poderes, ou seja, entre parlamentares e ministro”, disse.

Trajetória profissional
Do interior do Rio e moradora da Barra da Tijuca, Marques é formada em administração pela PUC-RJ e tem MBA em finanças.

Filha de um funcionário de carreira do Banco do Brasil e de uma professora estadual, fez fortuna antes dos 30 anos trabalhando no mercado financeiro.

Foi sócia de gestoras de recursos independentes antes de começar a trabalhar com Guedes, em 2012. Juntos, fundaram no ano seguinte a gestora de recursos Bozano Investimentos. Depois, com a saída dos dois sócios, em 2018, a empresa virou Crescera Investimentos.

O ‘match’ com Bolsonaro
Guedes começou a trabalhar com Bolsonaro em 2018, para formular o que seria seu programa econômico. Mais tarde, seria anunciado pelo então candidato como futuro ministro e “posto Ipiranga” de sua gestão para assuntos econômicos.

Marques poderia ter continuado à frente da Bozano, mas resolveu embarcar no governo ao lado do sócio ao assistir, em julho de 2018, ao lançamento da candidatura de Bolsonaro à presidência, pelo PSL, no Centro de Convenções SulAmérica, no centro do Rio.

Marques diz ter sido tocada pelo clima de festa, pela emoção das pessoas, as músicas, as placas, as faixas e a atmosfera de esperança.

“Ela ficou entusiasmada e emocionada com o discurso de transformação. Me disse ‘eu quero ir para Brasília te ajudar a transformar o Brasil’ e pediu para entrar no time”, diz Guedes. “Ela mergulhou na jornada neste dia”. Quando Bolsonaro foi eleito e Guedes montou sua equipe de 21 “supersecretários”, Marques era a única mulher da equipe.

Acostumada à rotina de uma “faria limer”, mudou-se sozinha para Brasília, separada e com o filho de quatro anos. Trocou rendimentos anuais na casa de milhões de reais, com carro blindado na garagem e bolsa Louis Vuitton no armário, por um salário de cerca de R$ 25 mil, incluindo benefícios como auxílio-moradia.

‘Superego’ de Guedes
No Ministério da Economia, o que se diz é que Marques é uma espécie de “superego” do ministro. Nos momentos em que ele falha no trato com parlamentares, ela tenta ajudar a “traduzir” algumas das ideias do chefe.

O ministro diz que o forte de sua ex-sócia é saber fazer “a leitura do ambiente”. Segundo ele, quando chegou a Brasília, Marques mapeou as alas que influenciavam as decisões de Bolsonaro e ajudou o ministro a organizar o trabalho.

No Congresso, ela é apontada como alguém com perfil de persuasão e consenso.

Pessoas que trabalharam na transição de governo destacaram que Marques demonstrava bastante conhecimento em economia. “Era proativa e chegou impondo respeito”, afirmou uma fonte do governo.

Sua influência cresceu na gestão do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, quando ela era apontada como uma ponte entre o ministério e o parlamentar, enquanto Guedes e Maia viviam trocando farpas. O papel de Marques foi apontado como crucial para a aprovação da reforma da previdência, por exemplo.

Em reuniões com Bolsonaro e outros ministros, quando também é uma das poucas mulheres, Marques é descrita como “focada e convincente”. Um ministro afirmou que Bolsonaro escuta a assessora e que ela “tem ajudado muito o governo”.

Mesmo com a troca do comando no Congresso, Marques manteve reuniões frequentes com os presidentes Arthur Lira (Câmara) e Rodrigo Pacheco (Senado). “Ela carrega o piano”, disse um auxiliar de Lira sobre a atuação de Marques.

O nome da assessora sempre aparecia como cotado para substituir baixas na equipe econômica, mas só agora Marques será promovida. No novo cargo, terá, entre outras funções, o desafio de reforçar a pauta feminina e investir em programas voltados às mulheres empreendedoras.

No fim de outubro, ao participar de um evento, em Brasília, Marques improvisou um discurso para destacar a importância de mais mulheres em espaço de poder.

“Uma mulher vale por três a cinco homens”, disse. “Espero que eu tenha inspirado que mais mulheres se encorajem, quebrem pedras e assumam posições de liderança no serviço público. Somos poucas, mas somos boas.”

O governo Bolsonaro não teve políticas de destaque para mulheres até o momento e o presidente inclusive vetou o projeto que previa a distribuição de absorventes gratuitos, por exemplo.

Como uma protagonista feminina da Economia, já há quem acredite até mesmo entre os auxiliares de Bolsonaro que Marques pode ser cotada para uma vaga no primeiro escalão do governo, com a janela que se abrirá em abril por causa dos ministros políticos que terão que se sair do cargo caso queiram disputar as eleições.

Sem planos
Assim como outros membros da equipe econômica, diversos headhunters já tentaram contato com Marques, que afirma que não é o momento de pensar no futuro e descarta as ofertas.

Se Bolsonaro vencer as eleições e Guedes continuar ministro, o mais provável é que a sócia siga na equipe. Em caso de derrota do presidente ou de uma troca no comando da Economia, Marques diz que a decisão, desta vez, será tomada de forma mais racional, sem a emoção que a levou a Brasília.

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