‘CURSO DE TRADER’? ‘OPÇÕES BINÁRIAS’? Fraudes financeiras avançam com juro baixo e rede social – ENTENDA

Ao se pesquisar as palavras “curso de trader” no Google, o site de buscas traz mais de 5,2 milhões de resultados em português. Se o termo for “opções binárias”, em questão de segundos aparecem 6,4 milhões de sugestões. E se for “Forex, como operar”, o site traz outras 7,7 milhões de respostas.

Enquanto o número de pessoas físicas com aplicações na bolsa começa a ganhar corpo, tendo alcançado em outubro mais de 3,1 milhões de CPFs, saindo de pouco mais de 800 mil em 2018, um mundo paralelo se desenvolve pela sedução do marketing digital de influenciadores que se multiplicam e vendem a imagem de experientes e bem-sucedidos operadores do mercado financeiro. Ostentam carros luxuosos, relógios de marca e um modo de vida que inclui paisagens paradisíacas. No meio dessa fábrica de sonhos, ciladas.

São incontáveis os casos de pirâmide, esquemas “ponzi” ou fraudes financeiras no Brasil e no mundo, e na era da internet tudo ganhou velocidade. O que não muda é o comportamento do investidor, que tem propensão a cair nessas armadilhas.

“Um novo conceito de investir” é o que promete a MVCF Investimentos, que ensina qualquer mortal a ser um trader de sucesso de criptomoedas ou Forex e a viver de renda. Outra forma de multiplicar os resultados, conforme o descritivo do site, é criar a própria rede de investimentos, convidando amigos e familiares e ganhando um percentual extra por isso. Há testemunho de investidor iniciante bem-sucedido e uma base de 27 mil clientes. Tudo falso.

Ao clicar no “cadastrar”, aparece a mensagem: “Cuidado: você quase foi enganado! A CVM criou esta página para alertá-lo e preveni-lo dos riscos que você pode correr ao investir seu patrimônio em empresas e ofertas não autorizadas ou com pessoas não certificadas para atuar no mercado. Informe-se e pesquise antes de investir!”. A partir daí, há todo um conteúdo educativo para ser explorado.

O site da corretora fictícia foi criado numa parceria do regulador com a Anbima, entidade que representa o mercado de capitais e de investimentos. Em quatro meses no ar, teve 16,3 mil acessos com a oferta de aplicações com retornos expressivos, e 3,2 mil pessoas chegaram ao botão “quero investir”, o equivalente a um percentual de 20%.

É uma taxa de conversão alta que supera a abordagem via e-mail marketing, de 3% a 5%, ou outras ofertas regulares, em que se espera 10%, diz Ana Leoni, superintendente de educação de investidores da Anbima. O lado bom dessa história é que a vítima em potencial navega no conteúdo educacional tempo similar ao da página “fake” e depois volta nela, possivelmente, para checar por que se rendeu àquela mensagem.

“Infelizmente, a fraude financeira não é uma prática recente, o primeiro caso data de 1870 – uma mulher chamada Sarah Emily Howe fundou em Boston um ‘banco para mulheres’ que prometia rentabilidade de 8% ao mês – e a história se repete”, diz Ana. Para a especialista, o fenômeno de juros baixos no Brasil, que tem servido para popularizar o tema investimentos, também deixa as pessoas suscetíveis às ofertas maliciosas.

“Com a pandemia tem mais gente acessando a internet, para o trabalho, as compras do dia a dia e também para investir. O uso do digital para fazer tudo torna o ambiente mais propício [aos golpes]”, afirma Ana.

Entre episódios recentes que ganharam o noticiário está o de Jonas Jaimovick, da JJ Invest, suspeito de liderar um esquema que deixou um prejuízo de R$ 170 milhões, e que foi preso na segunda-feira. Na semana passada, o caso que agitou os fóruns de investidores foi o de Vinicius Ibraim, que vendia cursos de day trade e tomou prejuízo ao vivo numa aula presencial usando a conta de seguidores. Em paralelo, ele captava recursos para um “fundo” com seu nome e teria levantado R$ 30 milhões, de cerca de 200 pessoas. Em Brasília, a Justiça determinou dias atrás o bloqueio de bens do Grupo G44 Brasil, cujas empresas e sócios são investigados por um esquema de pirâmide.

No Instagram, Gustavo Ramos, que tem 257 mil seguidores, se apresenta como “aposentado de opções binárias, um dos jovens mais bem sucedidos do Brasil, milionário aos 21 anos”. Morador de Palmas (TO), ele até mandou instalar outdoors na cidade, como mostrou o “Portal do Bitcoin”. Na rede social, Ramos vende a participação nas suas salas de negociação ao vivo pela plataforma IQ Options, e em lives admite usar contas de terceiros.

Em abril, a CVM já tinha soltado um alerta de atuação irregular da IQ Options no mercado de Forex (Foreign Exchange, de moedas internacionais), “Contracts for Difference” (CFD) e opções binárias. Baseada no Chipre, a empresa passou a incluir no seu site um aviso legal, afirmando que fornece seus serviços exclusivamente onde é licenciada e que não está autorizada pelo regulador brasileiro a fazer a distribuição de valores mobiliários a investidores domiciliados no país.

No site “Se Liga na Fraude”, iniciativa conjunta da CVM e da Anbima, a seção mais visitada é a relativa ao top 5 “Esquemas”, que lista os golpes mais comuns: pirâmide financeira, marketing multinível, Forex, operações de criptoativos e falsos profissionais.

As mídias sociais têm sido uma caixa que amplifica o alcance das ofertas tradicionais e também das irregulares, diz José Alexandre Vasco, superintendente de proteção aos investidores da CVM. Ele cita que em poucos anos o número de reclamações de investidores cresceu significativamente, sendo uma das fontes para investigar após algum episódio. Neste ano, até outubro, foram 298 queixas. Em março, a autarquia criou um canal de denúncias anônimas, que podem ou não virar processos.

A área de supervisão tem mecanismos para mapear o que se passa na internet, pedir ajustes, diz Vasco. A ideia não é proibir ninguém de falar sobre o mercado de capitais, esse é um conteúdo bem-vindo, mas monitorar quando os influenciadores cruzam o limiar da análise ou consultoria de investimentos. “As técnicas são sempre demonstrar que a pessoa é muito bem-sucedida (), há promessas de lucro fácil, premiações”, diz. Há casos disfarçados de venda direta, de produtos de beleza e alimentação, atividades que acabam se provando sem valor econômico, pois nunca teriam rentabilidade suficiente para pagar toda a cadeia.

Anos atrás, uma dessas empresas de marketing multinível fechou o estádio Fonte Nova em Salvador, com capacidade para 70 mil pessoas. Anunciou falsamente a presença de um representante da CVM, para dar um ar de legitimidade ao projeto. De quebra, sortearia uma Lamborghini. Esse é um exemplo de como os esquemas podem movimentar muito dinheiro.

Do lado da fiscalização, a CVM faz alerta sobre as distribuições de ativos irregulares e impõe multa diária de R$ 5 mil se a oferta não for cessada Mas há limites para sua atuação. “A CVM só pode proibir aquilo que tem poder de autorizar”, afirma Vasco. Numa pirâmide, diz, quem adere não é só “investidor” ou vítima, mas também quem atua como propagador daquela oferta.

Enquanto a pirâmide escala rapidamente, o esquema Ponzi cresce devagar e para quebrar leva tempo, não tem problema de liquidez imediato, o investidor faz aportes não tão grandes e acredita que o dinheiro está sendo gerido por alguém. Lembra do caso do ex-presidente da Nasdaq Bernard Madoff? Ele prometia retornos de 1% a 4% ao mês, mas não investia em nada. Foi engolido pela crise do Lehman Brothers em 2008 e deixou um prejuízo de US$ 65 bilhões.

Em geral, se não é competência da CVM, e se trata de uma pirâmide financeira, esse é um crime contra a economia popular (Lei 1251), considerado de baixo potencial ofensivo e com uma pena pequena, diz Vasco. Ele explica que quando a autarquia recebe uma queixa não relacionada ao mercado de capitais, ela é encaminha para o Ministério Público Estadual ou Federal, dependendo do caso. Questões relativas à defesa do consumidor são enviadas à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça.

A primeira pergunta a ser feita, sugere Ana, da Anbima, é se a pessoa ou corretora que está fazendo a oferta é licenciada pela CVM. Outra, se o investimento é registrado e, ainda, se vale o risco. “Não se pode confundir fraude com o risco do investimento. Um investimento pode ser extremamente arrojado, você pode perder dinheiro, mas não é fraude. Essa é uma interpretação equivocada do risco.”

Outro conceito útil, prossegue, é só investir naquilo que você compreendeu e se tem a ver com o seu objetivo. “Se não entendeu, continue perguntando, busque informação profissional, um site confiável. Ninguém fica milionário do dia para noite. O investimento é o meio para preservar o dinheiro do trabalho”, diz. “Os fraudadores se aproveitam da ganância das pessoas contra elas mesmas.”

Felipe Paiva, diretor de relacionamento com clientes e pessoas físicas da B3, diz que assim como alguém que nunca fez exercícios físicos não vira maratonista da noite para o dia, o investidor também precisa testar sua tolerância a risco, avaliar quanto conhecimento precisa ter para entrar no universo do day trade. A sugestão é não usar o capital completo, experimentar aos poucos.

Dos mais de 3 milhões de pessoas físicas na bolsa, ele cita que só uma parcela de 5% faz operações de compra e venda de ações no mesmo dia. “Isso mostra que o grande público está vindo para o médio e longo prazo.” Pelos dados da B3, nas negociações de minicontratos, o investidor individual responde por 39,9% das negociações, só perdendo para os estrangeiros, com 45,8%.

Bruno Giovannetti, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), observa que a maior parte das pessoas que tem migrado para a renda variável a partir das mídias sociais vem com a mentalidade de ganhar dinheiro no curto prazo. “Tenho medo de quem vai para a bolsa achando que é um lugar para ficar rico, porque pode ser vítima de pirâmides”, diz. “Se entra na bolsa com a cabeça correta, que é um lugar para fazer a poupança previdenciária, não tem como ser vítima de nada.”

Ele acha que os reguladores, a B3 e as corretoras precisam ter um papel mais ativo. Como os intermediários e a bolsa ganham dinheiro com corretagem, a tendência é estimular o giro. “Quanto mais gente operando, maior é a receita, mas as instituições também estão pensando no curto prazo. Na hora que o investidor se machuca, ele pode nunca mais voltar.”

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