Empresária que orquestrava esquema de pirâmide fez feitiçaria para garantir que sairia ilesa

Quando agentes do FBI invadiram a cobertura da glamourosa consultora financeira Dawn Bennett, que era também apresentadora de rádio e proprietária do site de roupas esportivas de luxo DJBennett.com, em agosto de 2017, eles encontraram um armário lotado de sapatos de grife, cintos e bolsas.

Eles também encontraram dois freezers cheios de dezenas de potes selados com o que parecia ser línguas de boi. Nos frascos havia iniciais, que mais tarde soube-se que pertenciam aos promotores da SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) que investigavam Bennett.

Esses advogados, segundo o FBI, foram os alvos de um “feitiço para calar a boca da língua de boi” que os agentes encontraram escrito no papel de carta pessoal de Bennett. Segundo o inquérito policial, para o feitiço ser bem sucedido era necessário que uma língua de animal fosse cortada ao meio e a leitura de um encantamento em voz alta:

“Eu cruzo e cubro você. Venha sob meu comando. Eu ordeno que você segure sua língua.”

Em julho de 2019, aos 57 anos, Bennett foi condenada a 20 anos de prisão depois que um júri a considerou culpada de 17 crimes federais nos EUA, incluindo fraude de valores mobiliários, fraude eletrônica e fraude bancária.

Ela havia sido responsável por administrar um esquema de pirâmide de livros didáticos, argumentaram os promotores com sucesso, e fraudou 46 investidores por meio de sua empresa de roupas, muitos deles idosos. Ela teria recebido mais de US$ 20 milhões vindos das reservas para aposentadoria dessas vítimas.

Em seu julgamento, os advogados de Bennett argumentaram que a DJBennett.com era uma empresa real – com funcionários, relações comerciais e fornecedores – que Bennett estava convencida que seria bem-sucedida. “Era uma empresa na qual ela acreditava”, disse o advogado de defesa Dennis Boyle. “Foi uma empresa na qual ela colocou coração e alma.”

Bennett investiu “milhões e milhões” de seus próprios dólares no negócio, fez hipotecas e vendeu obras de arte, disse ele, e buscou investidores externos apenas quando não conseguiu continuar financiando a empresa.

Mas enquanto ela arrecadou o dinheiro dos interessados e prometeu a eles um retorno garantido de 15%, Bennett gastou milhares de dólares na Saks da Quinta Avenida e no Ritz-Carlton, em South Beach, na Flórida.

Ela alugou um camarote VIP no AT&T Stadium do time de futebol americano Dallas Cowboys por US$ 500 mil por ano. Ela gastou US$ 141 mil em gemas astrológicas – incluindo uma única cobrança de US$ 29.715,00 para um comerciante de pedras preciosas de Iowa – e mais de US$ 100 mil em tratamentos cosméticos.

Ela também gastou mais de US$ 800 mil, alegaram os promotores, em rituais hindus, inclusive para providenciar que padres na Índia realizassem cerimônias para afastar os investigadores. (“Estou em uma luta muito, muito dura contra meus inimigos e preciso de toda a ajuda possível”, escreveu ela a um proprietário no site Puja.net, de acordo com reportagens.)

Mesmo diante dessas alegações, a defesa de Bennett tentou argumentar que o fato de ela seguir a religião hindu não era apenas irrelevante para as acusações, mas que os custos das orações eram, na verdade, provas de que ela estava tentando fazer sua empresa ter sucesso.

Falsas promessas

Bennett iniciou sua carreira de corretora em 1987 na Wheat First Securities, de acordo com os registros da FINRA, e em 1996 foi registrada na Legg Mason Wood Walker, onde administrou as contas de alguns clientes que permaneceram com ela por décadas e acabaram se tornando investidores da DJBennett.com. Ela fundou sua própria firma de investimentos, a Bennett Group Financial Services, em 2006.

“Derrubando mitos financeiros com Dawn Bennett” começou a ser transmitido na rádio em Washington e Maryland quatro anos depois, em 2010. Era popular entre aposentados e apresentava entrevistas com especialistas em investimentos, autores, pesquisadores de economia e CEOs sobre tópicos como “quanto mais livre o comércio, melhor”, “o déficit de liderança da América” e “o massacre da classe média”.

Peggy Thur, uma ex-consultora de noivas da Macy’s, disse durante seu depoimento no tribunal que ela ficou sabendo sobre Dawn Bennett através de seu programa de rádio, que ia ao ar das 11h ao meio-dia, e depois marcou uma reunião no escritório de Bennett, em Bethesda, no estado de Maryland.

“Depois de ouvir seu programa de rádio por mais de um ano… foi como encontrar um velho amigo”, lembrou Thur.

Bennett começou a pedir a seus clientes e amigos que investissem na DJBennett.com, que vendia roupas e acessórios de marcas de luxo como Barbour, Arc’teryx e Porsche. Segundo os promotores, os aportes foram feitos na forma de notas promissórias para as quais ofereceu uma taxa de juros de 15% e prometeu a seus investidores que usaria o dinheiro apenas para os custos de operação e desenvolvimento do negócio.

Michael Fox, um diretor de museu do Arizona na casa dos 70 anos que cuidava de sua esposa doente, a princípio hesitou em investir. De acordo com seu depoimento no tribunal, ele conheceu Bennett em 2003, quando procurava alguém para ajudá-lo a gerir o programa de aposentadoria de funcionários do museu.

Bennett acabou assumindo a gestão das economias pessoais que Fox tinha poupado para se aposentar, afirmou ele, e ela lhe apresentou a DJBennett.com em março de 2015 escrevendo: “por causa de sua necessidade de segurança, garantia e liquidez, você precisa me ligar”.

“Minha esposa está sofrendo mais do que nunca (se é que isso possível!)”, ele disse, “e nós simplesmente temos que administrar as coisas sem sofrer riscos hoje em dia, já que não sabemos quais podem ser os custos para o tratamento e/ou cuidados dela”.

“O que você está administrando é a nossa única rede de proteção”, escreveu ele novamente um mês depois. “Seria um assassinato se, por qualquer motivo, um investimento em sua excelente empresa levasse a mais perdas como as ocorridas no nosso portfólio no passado.”

No ano seguinte, ele cedeu e entregou a Bennett um total de US$ 851.985,00, de acordo com os autos. Fox testemunhou que entregou também US$ 75 mil de seu seguro de vida a Bennett. No momento do julgamento, ele não havia recebido nenhum centavo de volta.

Bennett também ofereceu benefícios especiais. A um de seus investidores, um homem de 48 anos da Virgínia que já havia dado a ela US$ 3 milhões, ela prometeu ações preferenciais da empresa em troca de um novo aporte, mostra o processo.

Em seu julgamento, os promotores alegaram que Bennett forneceu aos investidores declarações financeiras falsas para fazer a empresa parecer lucrativa, embora a DJBennett.com estivesse enfrentando dificuldades e tivesse começado a antecipar recebíveis já em 2013. Um agente de crimes de colarinho branco do FBI que participou do julgamento descreve essa prática como um “indicador de estresse financeiro”.

Os promotores alegaram que Bennett exagerou o sucesso da DJBennett.com enquanto a empresa perdia milhões de dólares. A defesa argumentou que ela “não estava visando lucro”, mas sim aumentar o market share do negócio. Os advogados de Bennett sugeriram que o diretor financeiro Brad Mascho, podia estar por trás de certas declarações falsas e que ela podia não estar ciente disso.

Mascho foi condenado a 30 meses de prisão em agosto de 2019 por acusações relacionadas ao esquema de pirâmide de Bennet. Ele admitiu que mentiu sob juramento à SEC “sob a direção de Bennett e por insistência dela”, segundo o Departamento de Justiça. Seu advogado se recusou a comentar o caso quando procurado pela Forbes.

Um funcionário de banco muito atento

De acordo com uma declaração federal, a SEC foi informada sobre o esquema de Bennett depois que um representante do Old Line Bank em Waldorf, Maryland, relatou um incidente suspeito.

Uma mulher de 80 anos queria transferir mais de US$ 32 mil para uma holding controlada por Bennett como parte de um investimento na DJBennett.com e, depois de ler os informes financeiros, o banco ficou preocupado que o investimento era muito arriscado para uma pessoa dessa idade.

O banco examinou Bennett mais de perto e descobriu que ela havia sido acusada de fraude pela SEC em 2015, depois de inflar o valor dos ativos que tinha sob gestão e os retornos obtidos com investimentos em seu programa de rádio. Ela afirmou que o retorno dos investimentos que geria era comparável àqueles de “1% das firmas ao redor do mundo”, e que administrava mais de US$ 2 bilhões quando, na realidade, sua firma tinha cerca de US$ 400 milhões.

A SEC também acusou Bennett apresentou ela mesma e a sua empresa de forma fraudulenta para a Barron’s, o que a levou ao quinto lugar da lista “Top 100 Women Financial Advisors” (cem melhores consultoras financeiras) de 2009, além de ter aparecido em outros dois rankings.

De acordo com a Reuters, Bennett negou as alegações e não compareceu à audiência administrativa da SEC em protesto contra o uso de procedimentos administrativos internos pela agência. Em março de 2016, a SEC baniu Bennett do setor de valores mobiliários e ordenou que ela devolvesse cerca de US$ 650 mil.

Mentir para bancos e investidores parecia ser um hábito antigo para Bennett. Uma das 17 acusações que a colocaram na prisão estava relacionada a um empréstimo de US$ 750 mil concedido em maio de 2015 do qual ela era fiadora.

De acordo com documentos judiciais, Bennett enviou ao banco declarações falsas indicando que ela tinha acesso a uma conta de corretagem com saldo superior a US$ 4 milhões para garantir o financiamento. O saldo real da conta? US$ 35,24. No ano seguinte, Bennett começou a pagar o empréstimo com US$ 199 mil provenientes de um investidor na Flórida.

Os investidores começaram a ficar zangados quando os retornos que Bennett lhes prometeu não apareceram. “Quero reiterar que estou solicitando a devolução integral do total de US$ 775 mil que investi em sua empresa”, escreveu em agosto de 2016 o investidor cujos fundos Bennett usou para pagar o empréstimo de 2015.

Ele ficou mais frustrado no mês seguinte. “Não quero mais nenhuma comunicação com você, exceto um aviso de que os fundos foram depositados em minha conta no Wells Fargo.”

Pelo menos neste caso, segundo os autos, Bennett devolveu o dinheiro. Mas usou fundos de outros investidores para fazer isso.

As ligações de clientes insatisfeitos cresceram e, durante a investigação de 2017, os agentes encontraram no escritório de Bennett uma “lista de desculpas” a serem dadas para qualquer investidor insatisfeito que ligasse em busca de seu dinheiro. Se alguém perguntasse, Bennett estava “em uma viagem de negócios”.

Bennett mentiu repetidamente sobre estar na China quando não respondia a e-mails de investidores e credores, alegam promotores federais. De acordo com documentos judiciais, o FBI não conseguiu localizar nenhum registro de viagens internacionais durante os períodos em que ela alegou estar no exterior.

“Dawn, você arruinou minha vida”

Em sua sentença, um juiz federal ordenou que Bennett pagasse US$ 14,5 milhões às suas vítimas e abrisse mão de outros US$ 14,3 milhões. Nenhuma restituição foi paga, de acordo com um representante da Procuradoria dos EUA no Distrito de Maryland, e os investidores parecem não esperar receber o dinheiro de volta.

“Como você tira sangue de um nabo?” um deles brincou.

Jean Dalmas, uma investidora de 60 anos de Baltimore, e seu marido colocaram todas as suas economias na corretora de Bennett, segundo seu depoimento no julgamento. Eles transferiram dinheiro de sua aposentadoria e de outras contas para investir US$ 150 mil na DJBennett.com depois que Bennett os alertou que o mercado de ações não era muito seguro e que investir em seu ecommerce seria uma aposta melhor.

“Ela disse que a empresa era sólida”, afirmou Dalmas, de acordo com transcrições do tribunal. “Ela falou sobre ter milhões de dólares na empresa e que ela era pessoalmente responsável por todas as pessoas que detinham as notas promissórias.”

“Dawn, você arruinou minha vida”, disse Dalmas durante a audiência, de acordo com a Associated Press. “Tenho medo de nunca conseguir me aposentar.”

“Ela traiu a minha confiança, a confiança de minha família”, disse Mark Hale, um investidor de 60 anos que, segundo a AP, perdeu cerca de US$ 200 mil no esquema de pirâmide de Bennett e teve que adiar a aposentadoria. “Fomos vítimas dela, e muitos de nós não conseguem se recuperar disso.”

No final de agosto de 2019, o advogado de Bennett apresentou um recurso ao 4º Tribunal de Apelações dos EUA. Ele se recusou a comentar o caso.

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