LAVAGEM DE DINHEIRO: Igreja-fantasma deixou dívida ativa de mais de R$ 400 milhões

Entre os cinco CNPJs cadastrados como organizações religiosas que mais devem à União, dois são igrejas-fantasmas: o Instituto Geral Evangélico, do Rio, e a Ação e Distribuição, de Cotia (SP). Juntos, eles têm uma dívida ativa de R$ 1 bilhão, que dificilmente será paga.

Não há vestígio de templo na altura do número 250 da avenida Roque Celestino Pires, em Cotia, salvo por uma pequena faixa pendurada num poste que diz “Jesus Cristo”.

Lá ficaria a Ação e Distribuição, uma igreja-fantasma que deve mais de R$ 400 milhões à União.

Da dívida, há apenas o rastro. Três dos envolvidos morreram, o CNPJ foi cancelado, o crime prescreveu e, no fim, ninguém foi condenado.

O CNPJ registrado com o código de “organização religiosa” foi aberto por um funileiro paulista em 2004.

Três anos depois, a empresa foi alvo de uma investigação da Polícia Federal que descobriu que as contas da Ação e Distribuição eram controladas por três empresários acusados de fraude fiscal: Wagner Oliveira, Antonio Carlos Balbi e Antonio Honorato Bérgamo.

Oliveira despachava de um escritório na Mooca, na zona leste de São Paulo. Trabalhava com importação de carros antigos — a PF então batizou a operação de “Lava Rápido”.

Balbi, segundo a investigação, era quem buscava laranjas. Bérgamo ficava com os registros de CNPJs fantasmas para movimentar recursos.

Eles foram acusados de sonegação e lavagem de dinheiro, entre outros crimes.

Segundo o Ministério Público Federal, os controladores repassavam recursos para empresas envolvidas com tráfico de drogas, entre outras atividades ilícitas.

“Cerca de 687 pessoas, em diversas localidades e sem nenhuma renda declarada, receberam recursos da igreja.”

O funileiro morreu aos 58 anos, meses após abrir a Ação e Distribuição. Oliveira e Balbi morreram enquanto a ação tramitava nos tribunais. O CNPJ foi extinto por volta de 2021.

No fim de 2021, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região declarou “extinta” a punibilidade do último réu, Bérgamo, por considerar que o crime prescreveu. Ele, portanto, é considerado inocente.

Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a baixa do CNPJ não impede a cobrança da dívida ativa.

O órgão informou que continua cobrando via “execuções fiscais ajuizadas e, eventualmente, buscando identificar entidades sucessoras do devedor”.

‘Inexistência de fato’

Bérgamo foi indiciado em outro processo de crimes contra a ordem tributária.

Em 2015, auditores da Receita autuaram a Coopernorpi Cooperativa Agrícola do Norte Pioneiro, em Atibaia (SP), em R$ 52 milhões de impostos devidos, com juros e multa. A empresa tinha como sócio Walter Souza.

Era mais um CNPJ de fachada, encerrado por “inexistência de fato”.

Segundo as investigações, assim como a igreja de Cotia não tinha fiéis, a cooperativa de Atibaia não tinha cooperados.

Bérgamo e Souza se tornaram réus nesse caso em 2018.

Bérgamo entrou com um habeas corpus em 2021, citando a idade avançada (71 anos) e pediu o trancamento da ação. Foi indeferido.

O habeas corpus foi expedido pelo Superior Tribunal de Justiça em 2022 após recurso. O processo foi “trancado”, o que significa que ele não é mais réu.

Souza também entrou com pedido de habeas corpus, e a Justiça considerou que o caso prescreveu em 2022 — hoje, a situação dele passou de réu para absolvido.

O fato foi celebrado como “vitória”, relata o advogado Thales Araújo, que fez a defesa de Souza, que sempre se declarou inocente.

“É a realidade do Walter”, diz. “Ele [Bérgamo] era ‘multiempresário’, tinha empresa no mercado imobiliário, táxi aéreo, algodão etc. Era um sócio investidor. Já Walter era só operacional, o que fazia apenas era vender algodão.”

Segundo Araújo, Souza nunca teve conhecimento do caso da igreja-fantasma.

Procurado por e-mail e telefone desde outubro, o advogado de Bérgamo, Marcelo Mazzariol, informou que o cliente não foi localizado para comentar o assunto.

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