Idosa sofre desconto indevido na aposentadoria; como suspender cobrança

A aposentada Hilda Maria de Barros Machado, 80, percebeu descontos mensais entre R$ 30 e R$ 40 em sua aposentadoria do final do ano para cá. A idosa, que recebe um salário mínimo (R$ 1.412), não autorizou os débitos que, somados, chegam próximos a R$ 200.

Desconto não identificado
Hilda é aposentada há 20 anos e percebeu descontos no benefício pela primeira vez em outubro de 2023. Em janeiro, por exemplo, recebeu R$ 1.376, R$ 35 a menos do que deveria. O débito foi feito pela CBPA (Confederação Brasileira dos Trabalhadores de Pesca), segundo o extrato do INSS, mas a cobrança nunca foi autorizado por Hilda.

Assim que percebeu que estava recebendo menos, Hilda falou com a filha, Adriana Machado, para entender o que estava acontecendo. No extrato do banco não aparecia o motivo do desconto. Adriana precisou recorrer ao INSS para conseguir um extrato do pagamento da aposentadoria e localizar a entidade que era responsável pelos débitos.

Adriana tentou resolver a situação da mãe. O primeiro passo foi ligar para a CBPA para pedir o cancelamento da cobrança e a devolução do dinheiro cobrado, mas não obteve um bom retorno. Adriana diz que foi atendida com deboche e que afirmaram que a situação só seria resolvida depois do Carnaval.

Depois, procurou o INSS. Ela fez o pedido de exclusão da cobrança no dia 5 de fevereiro e, no mesmo dia, recebeu o retorno do órgão dizendo que não foi encontrada nenhuma cobrança indevida na aposentadoria de Hilda. Adriana fez um boletim de ocorrência para registrar o caso.

Nenhuma contribuição ativa de entidade foi localizada no benefício, portanto nenhuma nova atualização foi realizada.

INSS em resposta à Adriana após pedido de fim de cobrança

A resposta do INSS foi outra. “Sobre o caso da segurada Hilda Maria de Barros, o INSS informa que atendendo ao pedido da beneficiária, a exclusão da consignação foi efetuada, valendo já a partir da próxima folha de pagamento. E que a mensalidade associativa também foi bloqueada, conforme solicitado pela segurada”, diz o INSS, em nota.

O mês passado me descontaram R$ 40, esse mês já foi R$ 30. Eu não sabia porque que estavam descontando. Isso nunca aconteceu [antes]. Eu sempre recebi direitinho todos esses anos. Espero que eles não debitem mais. Que não me tirem, porque são R$ 40, R$ 30, de repente eles pegam todo o meu salário.
Hilda Machado, aposentada

O que fazer
O caso de Hilda não é único. Dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mostram que foram registrados 13.438 novos processos a respeito de descontos indevidos em aposentadorias de janeiro a outubro de 2023. Em 2022, foram 16.730 processos a respeito de cobranças indevidas na aposentadoria.

Descontos indevidos têm sido mais frequentes. É o que diz Sara Quental, advogada especialista em Direito Previdenciário, sócia de Crivelli Advogados. Normalmente os valores debitados são baixos, o que dificulta e faz com que os beneficiários demorem a perceber.

As pessoas não percebem, porque são descontos baixos de R$ 30, R$ 40, R$ 70 e, quanto tem uma renda maior, ela não repara que o desconto aconteceu. Os beneficiários não têm o hábito de verificar o extrato do Meu INSS.
Sara Quental, advogada especialista em Direito Previdenciário, sócia de Crivelli Advogados

A entidade precisa comprovar que o desconto foi autorizado pelo aposentado. Se não houver uma comprovação, a situação se caracteriza como fraude, segundo Quental. Ao identificar que se trata de uma fraude, o beneficiário precisa informar o INSS para pedir a suspensão imediata da cobrança. “Desconto de uma associação também precisa estar comprovado [de que a pessoa autorizou a cobrança]. Se não comprova, é uma fraude”, afirma Quental.

Consultar o extrato do Meu INSS periodicamente é importante. Quental diz que, ao criar o hábito, a pessoa consegue entender exatamente o valor que está recebendo e perceber mais rapidamente se acontecer algum desconto que não reconhece.

Se acontecer, o primeiro passo é entrar em contato com a entidade. Não resolvendo a situação, o consumidor pode fazer reclamação na ouvidoria do INSS, em órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, e entrar na Justiça para reaver os valores pagos indevidamente, se a situação não for resolvida de forma amigável.

Outros casos
No Reclame Aqui há beneficiários falando sobre o mesmo problema. Na página da CBPA, há uma série de reclamações iguais a de Hilda. Veja algumas delas:

Desde o pagamento referente ao mês de janeiro vem cobrando uma contribuição CBPA no valor de R$ 33.00 na conta da minha mãe sem autorização. Não temos conhecimento sobre esse débito indevido.Reclamação feita de São Francisco (MG)

Constatei que está havendo desde janeiro de 2024 um desconto indevido no pagamento da aposentadoria da minha mãe . O desconto de janeiro no valor de 33.00 reais e o desconto de fevereiro no valor de 35.30.Reclamação feita de Belo Horizonte (MG)

Minha mãe recebe aposentadoria e esse mês se deparou com um lançamento de desconto INDEVIDO e SEM CONSENTIMENTO como “Rubrica 270 CONTRIB. CBPA SAC 0800 591 5728”. Não sei como vocês conseguem fazer um lançamento para um aposentado sem a sua devida autorização. Se existe algum meio legal, é no mínimo IMORAL!Reclamação feita de Arapongas (PR)

O que diz o INSS
O INSS afirma que o caso de Hilda foi resolvido. Após o contato da reportagem, o INSS diz que atendeu o pedido da beneficiária e a mensalidade da associação foi bloqueada. Adriana, a responsável legal de Hilda, recebeu um e-mail do órgão dizendo que o benefício agora está bloqueado para descontos de associações.

O INSS diz que os aposentados e pensionistas podem pedir o cancelamento de cobranças que não reconheçam. Ao lado do desconto, no extrato, aparece um número de telefone da entidade. Uma possibilidade é ligar para a entidade e pedir o cancelamento. Outra possibilidade é pedir a exclusão da mensalidade associativa pelo site Meu INSS ou pelo telefone 135.

O que diz a CBPA
A CBPA afirma que é uma organização que representa os interesses dos pescadores artesanais no Brasil. O UOL perguntou sobre os descontos indevidos nas aposentadorias, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.

Ao tempo em que o cumprimentamos, esclarecemos que a CBPA é uma organização que representa os interesses dos pescadores artesanais no Brasil, promovendo melhores condições de trabalho e de vida para suas famílias. Também oferecendo com clubes de vantagens descontos em farmácias e clínicas parceiras.
CBPA, em nota

Um dia após o contato da reportagem, a CBPA devolveu as cobranças indevidas à Hilda. O depósito foi de R$ 170 e Adriana afirma que vai solicitar uma análise da Defensoria Pública para checar se este é o valor completo ou se há mais algum pagamento pendente.

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