Jovem de 20 anos perde mãos e pés após infecção urinária “silenciosa”

Com apenas 20 anos, Gabrielle Barbosa está enfrentando desafios que nunca imaginou ser capaz de suportar. Ela teve as mãos e pés amputados após uma infecção urinária “silenciosa” que a levou para a UTI de um hospital no município de Franca, no interior de São Paulo, e hoje luta como pode para juntar dinheiro e comprar próteses capazes de devolver a ela o mínimo de mobilidade.

Gabrielle mora com a mãe, Regina, e trabalhava como operadora de caixa em uma farmácia da cidade. Em entrevista, ela contou que foi no trabalho que ela sentiu o primeiro sinal de que algo não ia bem com sua saúde: uma dor forte em um dos rins. Ela então tomou um remédio para a dor, mas, meia hora depois, como o incômodo não passava, decidiu ir até o hospital.

“A dor era muito intensa, eu fui direto para o hospital. Lá eles me colocaram no soro, tratando como cólica renal, e eu fiz exame de urina e de sangue, e eles me mandaram embora, para eu voltar no outro dia”, lembra Gabrielle.

No dia seguinte, já em casa, a jovem acordou sentindo-se muito fraca. Durante o banho, mal conseguia ficar em pé, teve de tomar banho sentada, com a ajuda da mãe, que em seguida a levou novamente ao hospital.

O local estava lotado e, enquanto esperava, a jovem teve vários episódios de vômito e chegou a desmaiar algumas vezes no banheiro. Quando a chamaram, descobriu que os resultados dos exames de sangue e urina estavam alterados.

Foi aí que descobri a infecção, porque até então não tinha nenhum sintoma de infecção de urina. Eu tive uma infecção silenciosa. Eu não tive ardência, minha urina não tinha cheiro, não aconteceu nada estranho comigo, além da dor repentina. Então eu não tinha como saber que era uma infecção

O médico que a atendeu receitou um antibiótico por via oral, apesar de sua insistência para ele aplicar um medicamento injetável. Como se sentia fraca e com vômitos frequentes, foi colocada no soro e voltou para casa. E, antes mesmo que conseguisse tomar o antibiótico, passou muito mal.

“Eu desmaiei, minha boca ficou branca. Aí minha mãe chamou a ambulância. Eles [os socorristas] chegaram aqui, minha pressão estava muito baixa. E eles me levaram para a Santa Casa. Aí, lá no hospital, eu fiquei aguardando vaga, né? Consegui uma no dia seguinte, no dia 31 de março”, declarou Gabrielle.

Ela conta que os médicos fizeram de tudo para melhorar suas respostas a estímulos. Mas o organismo já não reagia. “Eu já tinha até chamado minha mãe para me despedir. A última coisa que eles iam tentar era a intubação. Aí eles me intubaram. Só que depois disso, eu ainda tive duas paradas cardiorrespiratórias muito longas”.

A primeira, segundo a jovem, durou dez minutos, e a segunda, cinco minutos. Segundo ela conta, os médicos usaram várias ampolas de adrenalina e outros medicamentos para o seu organismo estabilizar. Porém, a infecção já havia se tornado sepse, que é quando as bactérias entram na corrente sanguínea e o quadro se torna generalizado, afetando vários órgãos.

Foi a partir daí que as extremidades do seu corpo começaram a escurecer, enquanto ela ainda permanecia inconsciente, intubada, no leito da UTI. Quando acordou, seis dias depois, já estava com braços e pernas enfaixados.

Eu não sabia o que estava acontecendo, daí um dia foram me dar banho e eu vi que já estava tudo preto, necrosado. No dia 18 de abril, amputaram minhas mãos. No dia 19, meus pés e parte das pernas. Enquanto estive internada, até o dia 26 de abril, fui trabalhando na mente que minha vida ia mudar, trabalhando a aceitação. Mas não foi nada fácil.

Felicidade, medo e superação

Apesar do choque, assim que acordou das cirurgias e viu os membros amputados, Gabrielle sentiu-se feliz por estar viva. Contudo, o medo do futuro passou a acompanhá-la nos dias que se seguiram.

“A coisa que mais me afetou foi a questão de eu pensar em dar muito trabalho para minha família, para minha mãe, que já não tem uma saúde boa, e o que aconteceu comigo para ela foi um choque, afetou ainda mais a saúde dela. Eu era o sustento da casa, era eu quem trabalhava. Então acho que a pior parte para mim foi isso, vir para casa e saber que ia dar muito trabalho.”

Apesar da angústia em imaginar os problemas que enfrentaria, Gabrielle diz que recebeu muito apoio da família, dos amigos e até dos seguidores que ganhou nas redes sociais. Somente no Instagram, mais de 267 mil usuários acompanham o dia a dia da jovem em sua jornada de superação física e emocional, em vídeos e imagens que ela posta sempre que as limitações de sua condição atual permitem.

Sua esperança está na compra de próteses especiais para os quatro membros amputados, que seriam capazes de devolver a ela parte da mobilidade que ela tinha antes, tornando-a menos dependente para caminhar, tomar banho, se alimentar, pegar objetos.

Uma vaquinha online para a compra das quatro próteses foi lançada com a ajuda de amigos desde que ela postou o primeiro vídeo nas redes sociais, em maio, contando sua história. Até o momento, ela já conseguiu arrecadar R$ 324 mil dos R$ 520 mil que precisa para a compra dos membros artificiais. Para os gastos complementares, como a compra de uma cadeira de rodas especial, ela está vendendo rifas na internet.

Sem guardar rancor ou remorso pelo que aconteceu, ela afirma que pretende, no futuro, se dedicar à formação como auxiliar de enfermagem, pois tomou gosto pela área médica depois de tudo o que enfrentou. E admite que um dos seus maiores sonhos já está se realizando: se tornar uma influencer conhecida.

“Ainda tenho muita vergonha de gravar, mas com certeza vou tentar seguir com isso, estou tentando cada dia mais deixar minha vergonha de lado. Porque estou tendo uma oportunidade muito grande, de falar para muita gente sobre coisas que eu considero importantes”, afirmou.

Resistência antimicrobiana

Infecção urinária é um quadro comum e, normalmente, facilmente controlável. Entretanto, com o aumento da resistência antimicrobiana, ela tem se tornado cada vez mais perigosa. Ainda assim, quadros como o vivido por Gabrielle são bastante raros.

“Infecções urinárias tratadas inadequadamente, por exemplo, com antibióticos incorretos, ou aquelas que acontecem em pacientes mais vulneráveis, podem evoluir para sepse”, explica a infectologista Luana Araújo.

Na sepse — infecção generalizada — o corpo está lidando com um quadro muito grave e, neste caso, prioriza mandar sangue para os órgãos prioritários: cérebro, coração, pulmões, fígado, rins. Com isso, as extremidades recebem menos sangue que o habitual.

Além disso, no próprio tratamento da sepse, segundo a especialista, são utilizadas medicações que podem ajudar nessa priorização do fluxo sanguíneo: isso significa que se aumenta a chance de sobrevida do paciente, mas o risco de complicações como as enfrentadas por Gabrielle também crescem.

“Esse quadro, frente ao número de infecções urinárias diagnosticadas e tratadas, felizmente é muito raro. Mas, com o aumento da resistência bacteriana aos antibióticos, pode se tornar mais frequente: até que a infecção seja corretamente diagnosticada, tratada e com antibióticos acessíveis, a chance de quadros mais graves acontecerem é maior”, esclarece Luana.

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