Quadrilha ganhava meio milhão por mês com gatonet

Esquema de pirâmide. Call center. Pagamento no PIX. Após prender duas pessoas em Carapicuíba, cidade a 21 km da capital paulista, acusadas de compartilhar listas de IPTV, Ministério Público de São Paulo e polícia civil descobriram o funcionamento de uma quadrilha que fatura por mês R$ 550 mil vendendo pacotes de gatonet.

Detidos na operação Not Found (“Não encontrada”, em tradução literal), os suspeitos são acusados de crimes de violação de direitos autorais, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Segundo a Promotoria de Carapicuíba, os dois suspeitos revendiam a R$ 25 ao mês um sistema de IPTV (TV pela internet) que dava acesso a mais de 300 mil conteúdos, de canais fechados de TV a filmes e séries disponibilizados apenas em plataformas pagas de streaming.

Embora o valor cobrado por cada acesso à lista de IPTV Pirata não seja alto, as associações criminosas conseguem lucros exorbitantes, diante da altíssima adesão alcançada. Importante destacar que parte deste dinheiro é lavado e ocultado, dando aparência de lícito, por meio de compra de imóveis, por exemplo

Promotoria de Carapicuíba

A promotora Sandra Reimberg afirmou que apenas essas duas pessoas movimentavam pouco mais de meio milhão de reais (R$ 550 mil) por mês oferecendo o serviço pirata.

O serviço era pago via PIX, depositado em contas de laranjas. O serviço era tão arrojado que, depois de o pagamento ser comprovado, os clientes tinham de cumprir outra etapa antes de acessar canais e conteúdos piratas. Precisavam instalar um aplicativo na Smart TV ou numa TV box e entrar com um login e senha disponibilizados.

Segundo a investigação, a venda do gatonet funcionava como uma espécie de pirâmide para impedir que seja possível chegar aos donos das centrais de distribuição.

É uma lógica de atacado e varejo. Uma pessoa que tem uma central de IPTV vende o acesso por um preço baixo para varejistas, como R$ 3. [Revendedores] vão montando operações para chegar ao maior número possível de clientes, vendendo a R$ 25. O cara que está lá em cima fica protegido, pois o intermediário dificilmente compartilha o contato dele com outros

Sandra Reimberg, promotora

No topo da pirâmide ficam as pessoas responsáveis por manter a estrutura de empresa, como um call center em caso de problemas operacionais.

Uma curiosidade descoberta pelos investigadores é que o modelo de negócio vetava propaganda formal. Quem fizesse algum tipo de anúncio poderia sofrer consequências. Toda divulgação era feita pelo boca-a-boca, de responsabilidade dos revendedores. São pessoas que enxergam a atividade como um bico, mas que, eventualmente, adotam a venda de gatonet como atividade primária, continua Reimberg.

“No painel deles tinha a informação que quem fizesse propaganda poderia ser banido. Havia até uma tabela de preço. Quem vendesse abaixo ou com preço maior que o estabelecido poderia ser alvo de uma espécie de ouvidoria”, afirmou a promotora.

Apesar das prisões, a promotoria diz que a investigação vai continuar para identificar outros integrantes do grupo, incluindo os operadores da central de distribuição de sinal e os donos de contas bancárias “laranjas” que recebem os valores.

Qual o problema de contratar gatonet?

As aquisições dos pacotes piratas são feitas via PIX, mas mediante a concessão de informações pessoais, que podem ser usadas em outros golpes. Outro risco são os apps usados para dar acesso ao gatonet, que não costumam ser oferecidos pelas lojas oficiais de Google e Apple, que estabelecem um crivo de segurança.

Além de questões de segurança digital, assinar, acessar ou vender esse tipo de serviço é crime no Brasil. Quem se mete nessas atividades pode ser acusado por infringir as leis dos direitos autorais (9.619/1998) e a de telecomunicações (9.472/1997).

Já quem vende os dispositivos e oferece serviços clandestinos pode ser enquadrado em crimes contra a propriedade intelectual e concorrência desleal (na modalidade desvio de clientela alheia), que daria detenção de três meses a um ano, ou multa.

Quem apenas contrata pode responder por crime de interceptação ou recepção não autorizada. A pena é polêmica e depende de interpretação jurídica, mas o STJ (Superior Tribunal de Justiça) entende que casos assim devem ser enquadrados em furto simples, que prevê pena de reclusão, de um a quatro anos, além da multa.

Ofensiva contra gatonet

A ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura) estima que no país tem cerca de 6 milhões de lares com acesso a canais de TV por assinatura piratas, provocando um prejuízo de cerca de R$ 15 bilhões por ano.

A Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações) tem empreendido várias ações contra gatonet. O órgão se preocupa sobretudo com TV box piratas, realizando apreensões e bloqueio de conexão de modelos que não são homologados — ou seja, que não tiveram segurança e funcionamento assegurados pela autarquia.

Durante a Mobile World Congress, feira de tecnologias móveis realizada em Barcelona, o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, disse que a ideia era tornar a experiência de uso de gatonet “tão ruim que ninguém mais vai querer comprar”.

Mostrar mais
Botão Voltar ao topo