Golpe da comissão falsa da Amazon faz vítimas perderem até R$ 20 mil

A estudante de psicologia Suyane Araújo, 21, acordou e viu no celular uma mensagem que prometia renda extra mensal de R$ 2,5 mil a R$ 8 mil. Para isso, bastava comprar e revender cada produto adquirido em troca de comissões dentro de uma plataforma que simulava o site da Amazon. Tudo não passava de um golpe.

Chega um momento em que a pessoa não consegue sacar o dinheiro acumulado. A jovem já perdeu R$ 1.320.

Fiquei muito mal, fiquei sem comer. O assunto ainda me faz chorar e você sente um vazio muito grande porque o fim do mês chega e não sei como me virar. Não posso ficar parada e agora preciso seguir a vida, mas é difícil. Me sinto impotente.

Suyane Araújo, vítima do golpe

Ações do tipo ficaram conhecidas como: golpe do meio período, golpe do falso emprego, golpe da falsa comissão e golpe “da Amazon”.

Como os golpistas agem

A vítima em potencial recebe uma mensagem de um suposto recrutador de RH, geralmente usando o nome Amazon, ou é inserida por alguém em um grupo no WhatsApp ou Telegram. O argumento é o mesmo: prometem uma oportunidade de renda extra. A pessoa só precisa comprar e revender produtos.

Após o cadastro, o acesso à plataforma (que simula o site da Amazon) é liberado. A vítima recebe via pix um bônus para iniciar as compras, que varia de R$ 20 a R$ 100. Para aumentar o poder de convencimento, os golpistas permitem o saque dessa quantia.

Quanto mais tarefas dentro a pessoa cumprir, mais chances de ganhar dinheiro ela tem. Ao menos é o prometido. Na verdade os itens não existem e as vendas que acontecem no app são falsas. Tudo é simulado sem a vítima saber.

Para liberar o dinheiro “investido”, a plataforma passa a exigir uma nova tarefa associada a compra de produtos mais caros — acima de R$ 1 mil. Vira uma bola de neve.

Mesmo se a vítima comprar o produto na esperança de revendê-lo dentro, e assim cumprir a tarefa, ela não consegue, pois como tudo é simulado, os golpistas programam a plataforma para não gerar a suposta venda.

Foi dessa maneira que Suyane acabou fisgada e fez vários transações por Pix na conta do suposto gerente de RH da Amazon. Até então ela não sabia que seria tão difícil reaver seu dinheiro.

“Você paga por esse produto e recebe uma comissão. Na primeira vez deu certo, na segunda também. Na terceira, eles enviaram R$ 177 para minha conta. Eu reinvesti porque achei que estava dando certo. Daí em diante foi só ladeira abaixo. É muito bizarro tudo isso dentro do próprio aplicativo deles”, destaca a estudante.

De posse do CPF do titular da conta bancária, ela fez boletim de ocorrência na Polícia Civil de Santa Catarina e comunicou o banco. Contudo, como o dinheiro já havia sido transferido para um terceiro, não conseguiu recuperar as transferências.

Agora, Suyane — que mudou do Maranhão para Santa Catarina após ganhar uma bolsa de psicologia — tenta se reorganizar financeiramente fazendo alongamento de unhas, em Joinville. Ela também busca se recuperar emocionalmente.

Na hora você acredita que o dinheiro será desbloqueado. Agora, com a cabeça fria, sinto até vergonha de falar que caí num golpe desse. Espero um dia rir disso, mas hoje ainda é muito difícil. A vida de bolsista é difícil, quando vi a oportunidade, mesmo que mínima, tentei. Foi um momento fraco meu.

Suyane Araújo, vítima do golpe

Amazon confirma crescimento do golpe

Fabiano Arroyo, líder de Recursos Humanos para a Operação da Amazon no Brasil, afirma a Tilt que a empresa está ciente do crescimento desses golpes. Ele ressalta que o tipo de recrutamento que exige dinheiro do candidato não existe.

“Reforçamos que não fazemos contato por SMS ou WhatsApp. Nossos processos são realizados através de nossos sites oficiais ou por empresas contratadas por nós”, declarou.

Nossa recomendação é que ao receber esses links ou convites que trazem essa suposta oportunidade, procure sempre confirmar no site da empresa antes de dividir informações pessoais ou qualquer outra coisa do tipo

Fabiano Arroyo, da Amazon.

Ela perdeu R$ 20 mil

Uma oferta de renda extra também chamou atenção de Tatiana Alves, 29. Moradora do Rio de Janeiro, ela precisava de renda extra para pagar um plano de saúde e assim aceitou a indicação da amiga, que já estava na plataforma há dois dias. No fim, ambas perderam dinheiro.

“Uma amiga falou que estava fazendo há dois dias e disse que estava esperando o valor ficar maior para poder sacar. Todos os pagamentos eram via pix e feitos em nomes de pessoas diferentes, não era uma pessoa jurídica, e perdi em torno de R$ 20 mil”, conta Tatiana.

Demorei muito a acreditar que era golpe. Quando eu questionei o congelamento do meu saldo, eles falaram que era normal porque não havia cumprido a tarefa e que em 30 dias todo o meu dinheiro estaria liberado. Esperei muito para correr atrás. Por mais que meu coração dissesse que era golpe, eu confiava.

Tatiana Alves, vítima

Tatiana também não conseguiu recuperar o dinheiro, mas viu que poderia ajudar outras pessoas a não cair na mesma cilada. Ela decidiu expor a própria situação em um vídeo no YouTube, além de investir em infoprodutos na internet para se recuperar do baque financeiro.

“Quando vi que tinha muita gente caindo, decidi gravar. Quando recebo os retornos das pessoas dizendo que conseguiram recuperar através do vídeo, isso é satisfatório”, ressalta.

Golpe também faz vítimas mundo afora

Há relatos do mesmo modus operandi também em outros países.

Dados do IC3 (Internet Crime Complaint Center), do FBI, por exemplo, mostram que 16.012 pessoas relataram ter sido vítimas de golpes de empregos virtuais em 2020, com perdas totalizando mais de US$ 59 milhões, nos Estados Unidos.

Em março de 2022, a Comissão Federal do Comércio dos EUA baniu um golpista que fazia a mesma promessa de dinheiro fácil com falsas vendas de produtos da Amazon em uma plataforma.

Já na Índia, uma mulher de 20 anos teve um prejuízo equivalente a R$ 18 mil, em 2022. Um ano antes, a Amazon já havia confirmado a um seguidor sobre o golpe.

Para o advogado criminalista Leonardo Pantaleão, o golpe continua mundo afora por duas razões.

O que acontece é que os criminosos se aperfeiçoam. Eles criam mecanismos novos para praticá-los. Consequentemente, muitas vezes as vítimas acreditam que levar isso à polícia, não trará efeito. A verdade é que a polícia precisa saber disso para evitar que o número de vítimas se multiplique e consequente punição dos golpistas.Leonardo Pantaleão, advogado

Golpe configura estelionato

Pantaleão acrescenta que o golpe praticado pelos criminosos se configura como estelionato, que tem pena de um a cinco anos de prisão, além de multa. Esse crime foi um dos que mais cresceu no país nos últimos anos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Na lupa dos dados, a quantidade de estelionatos através de meios digitais saltou de 7.591, em 2018, para 60.590, em 2021 — última estatística divulgada. Por isso é sempre bom ficar atento para não ser uma vítima.

Como diminuir riscos

  • Observe com cuidado todo o endereço eletrônico enviado para cadastro.
  • Pesquise a reputação da empresa eletrônica que se apresenta como subsidiária da Amazon e se ela realmente existe.
  • Desconfie de objetos que estejam à venda por preço muito abaixo daquele praticado no mercado na plataforma.
  • Não clique em links enviados por email, SMS, WhatsApp ou Telegram.
  • Pesquise no site oficial da empresa na qual tem o nome usado na oferta se realmente existe a oportunidade.
  • Observe possíveis erros de digitação ou gramaticais em mensagens.
  • Não se cadastre ou faça qualquer transferência bancária para contas físicas ou de pessoas jurídicas.

Fui vítima. E agora?

  • Comunique imediatamente a Polícia Civil do seu estado, com registro de boletim de ocorrência presencial ou virtual, detalhando ao máximo o ocorrido.
  • Guarde eventuais comprovantes de transferências bancárias que identifiquem as contas para onde enviou dinheiro.
  • Salve eventuais conversas de aplicativos com os falsos recrutadores.

Dá para recuperar o dinheiro perdido?

Caso tenha transferido dinheiro para golpistas, existem duas formas de tentar recuperar o valor.

A primeira é através do Mecanismo Especial de Devolução:

  • Quando notar que mandou valores para conta de golpista, acione imediatamente o seu banco.
  • Explique que transferiu valores para conta suspeita e solicite que instituição acione o Mecanismo Especial de Devolução, que prevê o bloqueio da quantia na conta que recebeu o dinheiro.
  • Caso o saldo seja suficiente, é devolvido o valor integral. Se não for, o banco pode restituir o que estiver na conta do golpista.
  • Não é possível recuperar através do Mecanismo de Especial de Devolução valores já transferidos pelo golpista para terceiros.

O Banco Central informou que, caso tenha havido uma devolução parcial, a instituição do recebedor deve monitorar a conta do usuário “para que possa realizar outras devoluções parciais até o atingimento do valor total da transação original, sempre que houver recursos na conta”.

“O monitoramento e as devoluções parciais devem ocorrer dentro do prazo de 90 dias, contados a partir da transação original. A depender das informações solicitadas e da situação, o Banco Central pode fornecer informações ao Ministério Público ou à polícia”.

A outra alternativa para recuperar é por decisão da Justiça. Procure um advogado ou defensor público para ingressar com ação judicial contra o golpista através dos dados disponíveis, podendo o criminoso arcar com os prejuízos com seu patrimônio pessoal.

“Na hipótese de o criminoso ter transferido para outra conta, é possível recuperar, mas isso demanda ação judicial para rastrear todo esse dinheiro, além do esclarecimento desses terceiros que receberam o dinheiro. Eles podem ser atingidos até no patrimônio pessoal a fim de ressarcir a vítima”, explica Pantaleão.

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