MANIFESTAÇÕES GERARAM RESULTADOS: Bolsonaro anuncia revogação de decreto sobre privatização de postos do SUS

Após um dia de reações de especialistas, entidades de defesa da saúde e população contra o decreto que colocava as unidades básicas de saúde no escopo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), o plano de concessões e privatizações do governo federal, o presidente Jair Bolsonaro anunciou, no fim da tarde desta quarta-feira (28), a revogação da medida.

O texto, publicado no Diário Oficial da União na última terça-feira (27), com assinaturas do próprio presidente e do ministro da Economia, Paulo Guedes, autorizava a “elaboração de estudos de alternativas de parcerias com a iniciativa privada para a construção, a modernização e a operação” das unidades, consideradas porta de entrada dos usuários no Sistema Único de Saúde (SUS).

Nas redes sociais, Bolsonaro afirmou que o país tem, atualmente, mais de 4.000 unidades básicas de saúde inacabadas e “faltam recursos financeiros para conclusão das obras, aquisição de equipamentos e contratação de pessoal”. Segundo ele, o decreto visava ao “término dessas obras, bem como permitir aos usuários buscar a rede privada com despesas pagas pela União”.

Mais cedo, o Ministério da Saúde, que não foi citado no decreto, tinha informado que a decisão de incluir as unidades básicas de saúde no PPI foi tomada após pedido da pasta com apoio do Ministério da Economia. “A avaliação conjunta é que é preciso incentivar a participação da iniciativa privada no sistema para elevar a qualidade do serviço prestado ao cidadão, racionalizar custos, introduzir mecanismos de remuneração por desempenho, novos critérios de escala e rede integradas de atenção à saúde em um novo modelo de atendimento”.

A qualificação da atenção primária no âmbito do PPI, prevista pelo decreto, repercutiu durante todo o dia. A #DefendamOSUS chegou a ficar em primeiro lugar entre os assuntos mais comentados no Twitter.

As unidades básicas de saúde são responsáveis pelos atendimentos de rotina, como consultas com clínico geral, tratamentos, vacinação, pré-natal, atendimento odontológico e acompanhamento de hipertensos e diabéticos.

Para a presidente do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Carla Anunciatta, o decreto do governo federal poderia colocar em risco o serviço prestado. “Saúde não é mercadoria. A iniciativa privada tem como objetivo o lucro, isso é inadmissível. Vamos lutar como sempre para manter o SUS uma política pública, universal, igualitária e gratuita”, diz.

Na avaliação do vice-presidente do Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais, Ederson Alves da Silva, as unidades básicas de saúde devem permanecer públicas. Ele defende maior alocação de recursos para a área. “A atenção básica de qualidade reduz a demanda por serviços de média e alta complexidade. A pandemia veio mostrar a importância do SUS para a população”, conclui.

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) considerou a publicação uma “arbitrariedade” do presidente Jair Bolsonaro. “Entendemos que o decreto vem consolidar uma trajetória de desmonte do financiamento da atenção primária e do próprio SUS”, pontuou a conselheira nacional de saúde e presidente da Federação Nacional dos Enfermeiros, Shirley Morales.

Especialistas expressam preocupação com a medida

O governo deve buscar soluções internas para a atenção básica de saúde antes de fomentar parcerias com a iniciativa privada, na avaliação do professor titular do Departamento de Ciências Administrativas da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, Ivan Beck Ckagnazaroff.

“Antes de partir para esse tipo de iniciativa, em geral, os governos fazem um estudo para dentro, tentam mapear seus problemas e prioridades e avaliar como o sistema está funcionando, para ver que alternativas de solução seriam possíveis. É sabido que o SUS tem vários problemas de gestão, de falta de pessoas e equipamentos. Mas o próprio sistema, uma vez rearticulado, com uma discussão orçamentária mais clara e voltada para a proteção de direitos sociais básicos, poderia dar um salto qualitativo e quantitativo interessante”, pontua o professor.

Para ele, a elaboração de contratos que garantam retorno ao setor privado e a resposta adequada às necessidades dos usuários é complexa. “Eu acho que é uma atitude precipitada. Ao trazer o setor privado, que garantias o setor público e o cidadão têm de que esses serviços serão de qualidade a um preço justo?”, questiona.

A professora titular da Escola de Enfermagem da UFMG, Marília Alves, acredita que o momento atual, de pandemia, não é adequado para esse tipo de medida. “A atenção primária expandiu demais no Brasil, com os centros de saúde e as equipes de saúde da família, e é um dos trabalhos mais consistentes que temos no país. Em uma sociedade desigual, que é dependente do SUS, esse caminho de privatização é muito complicado e precisa ser visto com muito cuidado”, avalia.

Atenção primária em Belo Horizonte

Apenas de janeiro a maio deste ano, foram realizados mais de 2,6 milhões de atendimentos na atenção primária de Belo Horizonte. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), a capital conta atualmente 152 centros de saúde e, atualmente, 81,3% da população é coberta pelas 592 equipes de saúde da família e 308 equipes de saúde bucal inseridas nas unidades.

Segundo a pasta, as pessoas que residem em áreas não cobertas pelas equipes de saúde da família podem realizar consultas com equipes médicas e de enfermeiros, além de ter acesso a vacinas e medicamentos.

Em relação ao decreto, posteriormente revogado, a SMSA tinha informado que aguardava “esclarecimentos do Ministério da Economia e do Ministério da Saúde sobre o escopo completo”. Na capital, já existe um contrato de Parceria Público-Privada (PPP) na saúde, para obras de construção e reconstrução de 40 centros de saúde, uma central de material esterilizado e um laboratório.

A execução da PPP começou em 2019 e, em janeiro deste ano, foi entregue a nova unidade do Centro de Saúde Cabana. Outras nove obras estão em andamento. No modelo aplicado, a política de saúde é de total responsabilidade da prefeitura.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Saúde não se manifestou.

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