‘MODA’ CAUSOU ESTRAGOS: Jovem que usava cigarros eletrônicos agora depende de ‘bombinhas’ para sobreviver

“Comecei a usar por ser a ‘moda’ na época”, conta a estudante Tereza de Almeida, 21, sobre os cigarros eletrônicos —ou vapes. Desde 2020, ela utiliza esse tipo de DEF (dispositivo eletrônico para fumar), que pode causar dependência. Começou como a maioria dos jovens: em uma festa, por curiosidade. “Desde o primeiro uso, já curti e sentia vontade de fumar sempre”, diz.

O problema é que no ano passado, a estudante de Maceió passou a sentir diversos sintomas, como fadiga, cansaço excessivo, tontura, entre outros: era o pulmão dando sinais de que algo não estava bem. Leia abaixo o relato completo:

“Conheci os cigarros eletrônicos em 2020, em uma festa. Era ‘moda’ na época e todo mundo usava. Eu era contra, inclusive, mas decidi provar uma vez. Desde então, já curti, e não parei mais. Sentia vontade de fumar sempre.

Comprava os que são descartáveis para levar em festas aos finais de semana. Antes disso, nunca tinha fumado o cigarro tradicional, só o eletrônico mesmo.

Depois comprei um Juul, que é um modelo muito mais fácil de usar. Ele vem com um carregador e você pode levá-lo para todos os lugares. Então, eu usava todos os dias: assim que acordava até a hora de dormir. Não passava um dia sequer sem fumar. Se não usava, já ficava estressada e em abstinência.

Em 2021, vendi meu cigarro eletrônico para diminuir o uso, mas foi uma tentativa frustrada, pois é muito fácil de comprar os descartáveis. Sempre tem alguém vendendo em festa, e conheço amigos que comercializam também.

O momento que mais sentia vontade de fumar era quando estava bebendo ou então, em casa, assistindo a um filme ou série. Além disso, tinha muito gatilho quando via alguém usando ou quando algum personagem, na TV, começava a fumar. A vontade batia e eu ia lá e usava o cigarro eletrônico.

Descobri o problema esse ano. Na verdade, já estava com alguns efeitos colaterais desde 2021, que era fadiga pulmonar, aumento da minha ansiedade —já tenho diagnóstico—, problemas para dormir e indisposição para fazer tarefas diárias. Ficava muito cansada!

Quando ia à academia, por exemplo, sentia tontura e ficava com a pressão baixa facilmente. Como moro em Maceió, que tem praia, corria na orla e praticava muay thai, mas não conseguia mais.

Também problemas na garganta sempre. Uma vez, no ano passado, tive uma amigdalite muito forte. Precisei tomar injeção, pois minha garganta ‘fechou’. A médica disse que tudo poderia ter ocorrido pelo uso do vape.

‘A pior sensação é você tentar puxar o ar e não conseguir’

O meu pulmão estava cheio de água, então, não conseguia expandi-lo da maneira correta para completar uma respiração, segundo a médica.

Percebi que a coisa ficou mais séria, neste ano, quando fui na minha médica otorrinolaringologista e ela me passou bombinhas de ‘asma’ para recuperar 100% meu pulmão.

De acordo com ela, eu não tinha asma, mas era uma bombinha [broncodilatadores] que ajudava a recuperar meu pulmão. Além disso, a médica reforçou que teria que parar de fumar e ter uma vida saudável novamente. Por isso, resolvi seguir as recomendações no começo deste ano.

Não precisei ficar internada e fiz o tratamento em casa com auxílio dessas bombinhas, que consigo pegar pelo governo mesmo.

Agora, já me sinto mais disposta, o líquido presente no meu pulmão já saiu. Meus treinos de musculação rendem muito mais. Voltei a fazer exercícios aeróbicos sem passar mal.

Meu humor, minha pele, meu sono e minha respiração já estão quase 100%. Estou muito feliz. Sempre fui adepta de um estilo de vida saudável e, quando comecei a fumar, me sentia frustrada por não estar seguindo a rotina que seguia.

O vape traz uma sensação momentânea muito boa, mas depois é muito pior. As consequências vêm. Então não vale a pena entrar nesse mundo.

Não pretendo voltar a usar. Caso eu volte, não será da mesma forma, pois adquiri consciência e sei que me faz muito mal. No momento, estou realmente evitando qualquer contato para recuperar meu pulmão e minha saúde novamente.”

Efeitos do cigarro eletrônico

De acordo com os médicos, esse líquido presente no pulmão pode ser, sim, causado pelo uso de cigarros eletrônicos, resultando em casos de derrame pleural ou de edema pulmonar, além de pneumonia adquirida. No caso de Tereza, por sorte, não foi nada grave.

“Também não se pode afastar quadros de bronquite e/ou enfisema pulmonar [destruição dos alvéolos pulmonares] associado a agravo da função do coração, causados pelo cigarro eletrônico”, explica Ricardo Martins, pneumologista, professor do HUB (Hospital Universitário de Brasília) e membro da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia).

Há diversos riscos à saúde quando a fumaça —quente, com temperatura de 300 a 400ºC— com essas substâncias, muitas delas desconhecidas, entra em contato com o pulmão, órgão de entrada do corpo, podendo queimar regiões das vias respiratórias e levar a algumas doenças.

A pessoa pode sentir todos os sintomas relatados por Tereza, tosse, falta de ar, dor no peito, febre, entre outros. E por não ter tantas substâncias tóxicas como um cigarro “convencional”, as pessoas pensam que esses dispositivos eletrônicos são inofensivos, mas isso não é verdade.

Cientistas já identificaram diversos componentes tóxicos e cancerígenos na composição, entre eles a nicotina, presente na grande maioria, que é a droga responsável por causar dependência química.

Inclusive, existe uma doença chamada de Evali, que caracteriza-se por uma lesão pulmonar associada ao uso direto desses DEFs. Quadros de adolescentes com esse problema ocorreram principalmente nos Estados Unidos, com um número alto de casos e até mesmo de mortes por conta do uso dos cigarros eletrônicos, especialmente os que tinham THC (um dos princípios ativos da maconha) e nicotina.

Muito além do pulmão

O cigarro eletrônico causa grandes impactos na saúde do coração, aumentando riscos de AVC, infarto, hipertensão arterial, além de prejuízos cerebrais.

Já os homens que usam cigarros eletrônicos ou vaporizadores têm duas vezes mais risco de sofrer de disfunção erétil em relação aos que não utilizam, de acordo com um estudo publicado em dezembro de 2021 pela revista médica American Journal of Preventive Medicine.

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