‘MODA’ DO OZEMPIC: Remédio para diabetes está em falta no Brasil após celebridades divulgarem ‘truque’ para emagrecer

O uso fora da bula de Ozempic para emagrecer se disseminou tanto que, nos Estados Unidos, já virou piada. Princípio ativo da semaglutida, a medicação prevista para o tratamento de diabetes tipo 2 e agora recomendada por alguns médicos em casos de obesidade foi assunto no Oscar, no último dia 12, quando o apresentador Jimmy Kimmel brincou com a plateia dizendo que todos pareciam “tão bonitos” e perguntando se deveria aderir ao remédio.

No exterior, personalidades como o empresário Elon Musk admitem e até exaltam a injeção do Ozempic e do Wegovy — semaglutida com dosagem maior usada especificamente para obesidade e ainda não comercializada no Brasil — para alcançar seus shapes desejados.

Há ainda rumores apontados pela imprensa americana de que o remédio seria parte da estratégia de Kim Kardashian para perder sete quilos em cerca de 20 dias e caber em um icônico vestido de Marilyn Monroe no MET Gala passado, em maio de 2022. A empresária e influenciadora nunca comentou.

No Brasil, o cenário é menos ostensivo, mas a popularidade que o produto ganhou já tem repercussão na cadeia comercial. Uma reportagem publicada pelo jornal “O Povo”, no último dia 15, aponta baixo estoque ou até falta do remédio em farmácias de Fortaleza e Região Metropolitana (RMF), no Ceará.

Faz mal usar Ozempic para emagrecer?

A Novo Nordisk, farmacêutica que produz a substância confirmou a falta do medicamento neste primeiro trimestre de 2023. A empresa justificou como “resultado de uma demanda muito maior do que a prevista”, e adiantou que o reabastecimento de distribuidores, atacadistas e farmácias deve ser normalizado nos próximos três meses.

A nota enviada por e-mail, abaixo na íntegra, demonstra ainda preocupação com o propósito a qual a substância se destina: tratar a diabetes. “A Novo Nordisk adere a altos padrões éticos, bem como a todas as regulamentações e não promove nem incentiva nenhuma promoção off-label (fora da bula) de seus produtos [em desacordo com as informações descritas na bula do medicamento]. Como um fornecedor responsável, só podemos recomendar o uso de nossos medicamentos em suas indicações aprovadas e de acordo com a prescrição médica”, diz um trecho do texto (ver nota completa ao final da matéria).

Quais os efeitos colaterais de Ozempic?

Para a endocrinologista Claudia Chang, coordenadora e professora da pós-graduação em Endocrinologia do Instituto Superior de Medicina (ISMD), esse uso indiscriminado é reflexo da não-exigência de receita médica para aquisição do medicamento. O Ozempic até prevê prescrição, mas ela não fica retida nas farmácias.

“A grande questão é que a gente precisa sempre fazer a orientação específica daquela medicação, não só para avaliar a resposta em si do paciente, o segmento clínico, mas também para acompanhar os possíveis efeitos colaterais que aquela medicação pode acarretar, então o uso indiscriminado acaba sendo muito ruim”, explica a especialista em entrevista.

Segundo a médica, o remédio é visto como seguro do ponto de vista cardiovascular e não tem efeito psíquico, a exemplo de transtorno de ansiedade ou síndrome do pânico. Por outro lado, ele pode provocar efeitos colaterais gastrointestinais, como piora de refluxo, esofagite, gastrite, constipação e a diminuição da motilidade do esvaziamento da vesícula biliar.

“Isso leva a microcálculos na vesícula e pode, em última análise, desencadear uma pancreatite”, ressalta a endocrinologista. A bula do remédio indica que essa é uma reação incomum, que pode afetar até 1 em 100 pessoas que façam uso do medicamento. Neste sentido, o problema é que com o uso indiscriminado e descontrolado, aumenta-se o risco de obter casos com reações graves e raras.

Outra consequência negativa ocorre do ponto de vista nutricional. O nutricionista Felipe França, especialista em oxidologia e bioquímica celular, explica que o Ozempic faz o paciente ingerir alimentos de mais fácil absorção, portanto, se costuma “negligenciar” a proteína na dieta, propiciando outras doenças.

“A gente tem que lembrar que não só os músculos são feitos de proteína. As nossas células também têm parte protéica e nossa imunidade vai lá embaixo sem proteína a longo prazo. Fora os neurotransmissores que também aumentam irritabilidade e ansiedade”, exemplifica França, que é também mestre em Aspectos Políticos e Jurídicos da Saúde.

Quando prescrito por um médico que combina esse uso a medicações que tratem dos efeitos do Ozempic, o nutricionista costuma entrar em contato com o especialista para, juntos, equilibrarem as substâncias que serão administradas pelos pacientes. Mas, quando não há prescrição médica e um nutricionista não acompanha o caso, o indivíduo corre o risco de desencadear outros problemas de saúde.

“É um medicamento complexo bioquimicamente falando, ele não age só em um fator. Além disso, a gente tem que lembrar que o uso do medicamento não extingue o exercício físico da dieta”, frisa o nutricionista. A prática da atividade física, inclusive, está prevista na bula de modo associado ao tratamento com a semaglutida.

Ozempic na era da influência e moda y2k

Quem usa redes sociais sabe que, nos últimos anos, a moda, especialmente para as mulheres, voltou a ser muito magra. A estética tem até nome: y2k (year 2000), em referência ao estilo do início do século.

Assim, voltamos à era de cintura baixa e corpos magérrimos. Até personalidades reconhecidas por outro porte físico, como as Kardashians, entraram na onda de emagrecer.

Neste cenário, qual pode ser o impacto psicológico de uma medicação adquirida facilmente por quem tem dinheiro, mas não tem indicação para tal uso?

Para o psicólogo Leonardo Morelli, pessoas sem quadro de obesidade ou diabetes que fazem uso da medicação sem acompanhamento refletem uma sociedade que vive em busca do “perfil perfeito”, o que não existe, e se arriscam a desenvolver danos físicos e emocionais.

“Na busca dessa ‘perfeição’, as pessoas estão acabando de perder a sua própria identidade. A pessoa diz: ‘vou fazer um emagrecimento e tenho que ter esse corpo’. Só que a ideia na mente não corresponde à realidade, então ela fica insatisfeita e vai repetindo todo o processo”, analisa.

“A vaidade tomou tanto lugar que ela passa a ser um objeto de um desejo dela mesmo, que é impossível de ser alcançado, então ela vai adoecendo”.

O especialista ressalta ainda que se trata de medicações que não alteram a mente inconsciente. Sendo assim, se o remédio não é acompanhado de uma mudança de hábitos, o usuário retoma seu antigo corpo, retornando ao ciclo de insatisfação.

“Isso acaba refletindo também na ansiedade e depressões pra essa pessoa que não consegue o que deseja”, lamenta Morelli. Por isso, a recomendação geral em meio a esse mercado de influências, muitas vezes nocivas, é buscar justamente a desconexão de perfis que vendem padrões distantes da realidade.

LEIA A ÍNTEGRA DA NOTA DA NOVO NORDISK:

A Novo Nordisk tomou conhecimento de uma potencial falta da apresentação 1mg de Ozempic® FlexTouch® no Brasil durante o primeiro trimestre de 2023, resultado de uma demanda muito maior do que a prevista. Cabe ressaltar que não há problemas de qualidade ou regulatórios com o medicamento.  

A empresa notificou a autoridade sanitária brasileira sobre as restrições de fornecimento do produto conforme estabelecido nas legislações vigentes.  

Durante esse período, os pacientes com diabetes tipo 2 afetados têm a opção de mudar o tratamento para outros medicamentos da mesma classe (análogos de GLP-1). Para isso, eles devem consultar o seu médico e seguir estritamente as suas orientações.  

O reabastecimento de distribuidores, atacadistas e farmácias no país deve ser normalizado durante o segundo trimestre de 2023.  

A Novo Nordisk está investindo intensa e continuamente para resolver a situação e aumentar significativamente a produção anual de Ozempic®. 

Entendemos e lamentamos a preocupação e possíveis transtornos que essa indisponibilidade temporária poderá causar em pacientes com diabetes 2, seus familiares e cuidadores.

Encaramos a situação de maneira extremamente séria e estamos trabalhando incansavelmente para superarmos esses desafios temporários. 

Não é possível rastrear a finalidade de uso do produto pelo paciente. Entretanto, ressaltamos que Ozempic® é indicado para o tratamento de adultos com diabetes tipo 2 insuficientemente controlado, como coadjuvante da dieta e do exercício, como monoterapia. A Novo Nordisk adere a altos padrões éticos, bem como a todas as regulamentações e não promove nem incentiva nenhuma promoção off-label de seus produtos (em desacordo com as informações descritas na bula do medicamento). Como um fornecedor responsável, só podemos recomendar o uso de nossos medicamentos em suas indicações aprovadas e de acordo com a prescrição médica. 

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