CHIP NO CORPO: Implantes podem tratar depressão, paralisia e disfunção sexual

Chips e outros implantes inteligentes estão no caminho para, eventualmente, se instalarem em nossos cérebros e corpos. Pelo menos é o que sugerem os últimos avanços da ciência. E tem bilionário de olho nisso.

A Neuralink, empresa de Elon Musk criada para desenvolver chips cerebrais, se prepara para realizar os primeiros testes em humanos. Um dos objetivos é implantar um chip do tamanho de uma moeda nos cérebros de pessoas para que elas possam fazer coisas que não conseguiram antes: como alguém com deficiência motora controlar um computador com a mente.

Interfaces cérebro-computador implantáveis já foram testadas em animais, como porcos e macacos, mas estudos sobre estímulos elétricos ainda precisam avançar.

O engenheiro biomédico Tim Bruns, professor doutor na Universidade de Michigan (Estados Unidos), diz que chips cerebrais e implantes humanos em breve serão um importante meio para alcançar bem-estar, prazer e saúde.

“Já existem implantes que ajudam pessoas com condições de ordem psiquiátrica ou de movimento. Não exige muito alterar como funcionam para atacar outras áreas do cérebro [como dar sensação de prazer e felicidade]. O desafio é descobrir o que seria um bom nível de estimulação e qual estimulação funciona”, afirma.

O que já existe na prática

  • Melhorar funcionamento de órgãos

Pesquisas conduzidas por Bruns e sua equipe na Universidade de Michigan observaram resultados interessantes ao usar estimulação elétrica em nervos específicos do corpo para tratar e melhorar a função da bexiga.

No estudo, foi identificado que os mesmos estímulos —tanto próximo à bexiga quanto próximo ao tornozelo— pareciam tratar distúrbios de disfunção sexual, especialmente em mulheres.

Ainda não está claro como o estímulo de um se relaciona ao tratamento de outro, mas outras pesquisas poderão avançar na descoberta, segundo o professor. “Como você direciona algo no pé para ajudar qualquer coisa na pélvis? Isso é algo que nós e outros estamos tentando descobrir”, diz Bruns.

  • Homem com pernas paralisadas conseguiu andar

Nesta semana, a revista científica Nature publicou resultados de um estudo realizado com um homem que teve a medula espinhal danificada em um acidente. Por meio de um implante elétrico ligado à sua coluna, ele foi capaz de andar novamente pela primeira vez.

Os pesquisadores se mostraram animados, mas destacaram que novos testes precisam ser feitos para medir um possível uso da técnica em maior escala.

  • Implante contra a depressão

Cientistas da Universidade da Califórnia publicaram recentemente os resultados de um estudo clínico sobre depressão severa em uma paciente de 36 anos. Sarah recebeu um complexo implante cerebral que dispara impulsos elétricos quando identifica ser necessário.

A inovação só foi possível, pois os pesquisadores conseguiram localizar os “circuitos de depressão” no cérebro de Sarah. Após o processo, ela afirmou ter recuperado a vontade de viver, segundo reportagem da BBC.

“Esse estudo de caso traz muita esperança”, afirma a neurocientista Claudia Feitosa-Santana, pós-doutora em Neurociências Integradas pela Universidade de Chicago e autora do livro “Eu Controlo como me Sinto”, publicado pela editora Planeta.

“Pode ser que no futuro, quando esses chips estiverem disponíveis para todos os tipos de depressão, muitas pessoas optem pela cirurgia assim como muitos míopes optaram e continuam optando por cirurgias”, diz a neurocientista. “[Contudo] Note que ela fez uma neurocirurgia para a implantação e isso implica em riscos.”

Os pesquisadores responsáveis pelo tratamento de Sarah também reforçam que ainda é necessário mais estudos e outros testes para entender se a mesma abordagem funcionaria com outros pacientes.

Já somos transumanos

Uma palavra que faz parte das discussões quando o assunto é o uso de chips e implantes é transumanismo. Ou seja, quando transcendemos a biologia humana pelo uso de tecnologias (invasivas ou não) ou mesmo intervenções médicas.

Sobre isso, a neurocientista Feitosa-Santana ressalta que nós humanos já somos artificiais. “Somente por essa razão nossa expectativa de vida dobrou em apenas um século. Eu, por exemplo, utilizei aparelho dentário por anos e, assim, sou hoje o resultado dessa artificialidade na adolescência”, explica.

“Quem não tem smartphone? Com ele, somos todos ciborgues”, completa.

Ao mesmo tempo, não dá para deixar de pensar sobre potenciais impactos negativos da popularização de tecnologias como ter chip cerebral em nossos corpos.

Se você tem certa dificuldade para desligar a tela do seu celular e fica mais horas do que deveria nas redes sociais, o que um discreto chip para descarregar sensações de prazer poderia implicar, por exemplo?

E como será a relação de consumo e o lado social da coisa? Os dados gerados a partir de cada indivíduo poderão ser comercializados? E se um hacker atacar? O que pode acontecer?

Muitas dessas perguntas —e preocupações— precisam ainda ser levantadas em consideração pelos pesquisadores e empresários de olho no potencial lucrativo desse cenário.

“Assim como vemos com o uso de Ritalina, Rivotril, entre tantas outras drogas. Eu apostaria a mesma dicotomia para futuros dispositivos [chips e implantes]. Uns se salvam e outros se destroem”, afirma Feitosa-Santana.

Questões éticas

Uma área, surgida no início deste século, deve ficar mais ainda mais em alta conforme essas tecnologias forem evoluindo. É a chamada neuroética, que abrange questões relativas à neurociência e à implementação de novas tecnologias.

Para Nythamar de Oliveira, professor titular na PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul ) e coordenador de área de Filosofia na Capes, os desafios no momento também envolvem estabelecer os usos aceitáveis socialmente para os chips e implantes.

“O problema maior que parece desafiar nosso senso ético-moral consiste geralmente em casos de uso recreativo ou apenas visando algo estético, pessoal ou subjetivo, sobretudo se desafiam nossas concepções tradicionais do que é humano”, afirma Oliveira.

O especialista também levanta uma preocupação com o excesso de otimismo de alguns visionários sobre a eficácia dessas tecnologias — que podemos ver até aqui que ainda precisam ser mais estudadas.

Quem terá o poder sobre um chip?

Wellington Melo Faustino, mestre em filosofia pela Universidade Federal da Paraíba, tem estudado o tema transumanismo e suas implicações. Para ele, a principal questão filosófica que nós podemos nos perguntar é quanto dessas novas tecnologias oferecidas para avançar a biotecnologia nos distancia do que significa ser humano em essência.

Algumas das preocupações destacadas acima se alinham aos questionamentos feitos pela filósofa Shoshana Zuboff, professora emérita da Harvard Business School, em “A Era do Capitalismo de Vigilância”.

“Quem sabe? Quem decide? Quem decide quem decide?”, questiona a autora sobre a influência de gigantes de tecnologia e de governos no uso de dados comportamentais obtidos por navegação na internet.

Em um futuro, onde chips cerebrais podem ser usados de forma indiscriminada, quem controlará os impulsos elétricos que dele poderão ser emitidos? E o que isso falará sobre nossa autonomia e liberdade individual?

“Isso põe em xeque uma série de questões do ponto de vista ético que são necessárias à autopreservação humana, a noção de liberdade, de direito humano”, ressalta Faustino.

“Por isso, temos os tratados de bioética que percebem que essa disponibilização total do nosso corpo e a maneira como nós recebemos esses produtos podem intensificar ambiguidades sobre a consciência de nós mesmos e de outras pessoas. No caso dessa tecnologia [da Neuralink] e de outros, nós temos um completo isolamento do indivíduo”, defende.

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