Na Paraíba, 379 meninas e meninos foram vítimas de violência letal e 1.150 de violência sexual aponta UNICEF

Mais de 15 mil crianças e adolescentes, com idades entre 0 e 19 anos, foram mortos de forma violenta1 no Brasil nos últimos três anos. No mesmo período, 165 mil meninos e meninas foram vítimas de violência sexual, compondo um cenário epidêmico de violência contra crianças e adolescentes no País. A Paraíba registrou, entre 2021 e 2023, 379 vítimas letais e 1.150 casos de violência sexual. Os dados fazem parte do Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil lançado, nesta terça-feira (13), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

O relatório aponta que o cenário das violências contra crianças e adolescentes permaneceu estarrecedor, entre 2021 e 2023, com alguns desafios se acentuando. A taxa nacional de homicídios até caiu, mas cresceu a porcentagem de mortes causadas por intervenções policiais. Em 2023, quase 1 a cada 5 crianças e adolescentes de 10 a 19 anos mortos foi vitimado em ações policiais no país. Na Paraíba, 34 óbitos foram registrados nessas circunstâncias nos últimos três anos.

Já os números de estupro contra crianças e adolescentes têm crescido constantemente. Nos últimos três anos, dos 165 mil casos de violência sexual reportados no Brasil, 46.863 foram registrados em 2021 e aumentaram para 63.430 em 2023 – o equivalente a uma criança ou adolescente vítima de estupro a cada 8 minutos no ano. Na Paraíba, o registro de casos também aumentou nos últimos anos, indo de 354 em 2021 para 368 em 2022 e 428 em 2023.

“As violências impactam gravemente as crianças e os adolescentes no País. Meninos negros continuam a ser as maiores vítimas de mortes violentas. Já meninas seguem sendo as mais vulneráveis à violência sexual. Essas dinâmicas são ainda mais preocupantes com o aumento de casos dessas violências contra crianças mais novas”, diz Youssouf Abdel-Jelil, representante do UNICEF no Brasil, destacando a urgência de governantes terem como prioridade acelerar o enfrentamento da violência letal e sexual contra crianças.

Nacionalmente, os dados alertam que crianças mais novas têm sido cada vez mais vítimas de violências sexuais e letais. De 2022 para 2023, as mortes violentas de crianças de até 9 anos de idade aumentaram 15,2% no Brasil. Na Paraíba, o número absoluto de vítimas nessa faixa etária passou de 3 em 2022 para 7 em 2023. Nos casos de violência sexual contra crianças de até 4 anos, o acréscimo foi ainda maior, entre 2022 e 2023, com um aumento de 23,5% nos registros e de 17,3% entre aquelas com 5 a 9 anos.

Meninos negros seguem como principais vítimas em todas as idades

No País, a violência letal vítima, em especial, meninos negros. Nos últimos três anos, a maior parte das vítimas de mortes violentas no Brasil tinha entre 15 e 19 anos (91,6%), era preta ou parda (82,9%) e do sexo masculino (90%). E, apesar dos adolescentes serem os mais atingidos, isso é uma realidade em todas as faixas etárias. Dados do relatório mostram que um menino negro com idade entre 0 e 19 anos tem 21 vezes mais chances de ser morto do que uma menina branca na mesma faixa etária no Brasil.

Para Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os dados evidenciam a necessidade de os governos incluírem em suas agendas políticas públicas de enfrentamento aos crimes letais e também à violência sexual. “É importante que haja um protocolo mais claro das abordagens e do uso da força pelas polícias, tendo em vista que os principais alvos são os jovens pretos e pobres da periferia”, aponta a socióloga. “Ao mesmo tempo, a sociedade precisa compreender que a violência sexual ocorre dentro das casas de milhões de brasileiros, afetando meninos e meninas que muitas vezes sequer conseguem identificar esse crime. O Estado precisa investir em educação sexual e oferecer espaços para proteger essas crianças e defendê-las de seus agressores”.

No caso de adolescentes, em especial entre os que têm mais de 15 anos, as mortes violentas remetem a um contexto de violência armada urbana: a maioria foi morta fora de casa, em via pública (62,3%), e por pessoas que não conhecia (81,5%). No caso de crianças mais novas, as mortes de meninas e meninos de até 9 anos costumam ocorrer dentro de casa (cerca de 50%) e ser cometidas por pessoas conhecidas da criança (82,1% dos casos em 2023). Isto indica um contexto de maus-tratos e de violência doméstica praticados contra essas crianças pelas pessoas mais próximas a elas.

Violência sexual: da primeira infância à adolescência

Crianças e adolescentes do sexo feminino são a ampla maioria das vítimas no País quando se trata de violência sexual, representando 87,3% dos casos nos últimos três anos. Considerando ambos os sexos, a maior parte das vítimas (48,3%) tem entre 10 e 14 anos. Ainda assim, mais de 35% dos crimes foram cometidos contra crianças entre 0 e 9 anos de idade. Ou seja: a violência sexual atinge crianças e adolescentes durante toda a vida.

Apesar da menor incidência, o relatório destaca que meninos não estão protegidos desta violência. Entre 2021 e 2023, foram reportados mais de 20.575 casos nos quais crianças e adolescentes do sexo masculino eram as vítimas de estupro. O número é maior, inclusive, do que o quantitativo de vítimas de morte violenta.

Prevenir e responder às violências

Diante deste contexto, o UNICEF e FBSP alertam para a urgência de que assegurar a proteção de crianças e adolescentes precisa se tornar uma prioridade para governantes e para toda a sociedade brasileira. E, para prevenir e enfrentar as violências, recomendam a governos, pais, mães, responsáveis e a toda a sociedade:

  • Não justificar nem banalizar a violência

Cada vida importa. Cada criança e cada adolescente deve ser protegido de todas as formas de violência. Toda pessoa que testemunhar, souber ou suspeitar de violências contra crianças e adolescentes deve denunciar.

  • Controle do uso da força pelas polícias

É fundamental trabalhar com as polícias protocolos, treinamentos e práticas voltadas à proteção de meninas e meninos. Em particular, há evidências robustas do impacto do uso das câmeras policiais, associado a protocolos e fluxos adequados, como a gravação contínua, na redução dos homicídios de adolescentes.

  • Controle do uso de armas por civis

A arma de fogo é responsável pela morte violenta de muitas crianças e adolescentes – é o principal instrumento entre aqueles com 15 e 19 anos. É essencial promover o controle do uso de armas por civis.

  • Pautar e enfrentar o racismo estrutural

Enfrentar o racismo estrutural é parte fundamental do esforço de não justificar e não banalizar a violência assim como do controle do uso da força pelas polícias junto à população negra.

  • Compreender e enfrentar o fenômeno da violência doméstica

É preciso produzir conhecimento sobre a violência doméstica, seja a que impacta crianças diretamente ou aquela que, realizada contra mulheres ou cuidadores, tem um impacto sobre elas. Assim, será possível adotar políticas que integrem essas perspectivas para mudar comportamentos e prevenir e responder a casos de violência.

  • Enfrentar normas restritivas e discriminatórias de gênero

É preciso descontruir padrões restritivos de gênero que fazem com que meninos sejam socializados a reproduzirem práticas violentas e meninas sejam socializadas em um contexto de objetificação e desigualdade de poder. Serviços que atuam com crianças, adolescentes e famílias, como escolas, têm papel fundamental para isso.

  • Garantir atenção adequada aos casos de violência

É urgente fortalecer os fluxos e protocolos do Sistema de Proteção a crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência, no marco da Lei 13.431/2017.

  • Capacitar os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes

Eles são fundamentais para prevenir, identificar e responder às violências contra a infância e a adolescência. É caso, por exemplo, dos profissionais de segurança pública, que podem ser fortalecidos para uma abordagem mais humanizada.

  • Ampliar o acesso de meninas e meninos a canais de proteção

Para prevenir e responder à violência, é importante garantir que crianças e adolescentes tenham acesso à informação, conheçam seus direitos, saibam identificar diferentes formas de violência e pedir ajuda.

  • Melhorar os registros e investir em monitoramento e geração de evidências

É necessário melhorar o registro de informações sobre os casos, assim como avançar no monitoramento ágil e constante para acompanhar tendências e investir em intervenções de forma mais rápida.

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