
Pais debatem a importância do uso consciente da tecnologia
Evolução traz benefícios e não pode parar, mas, por outro lado, tem sido fonte de uma perigosa mudança nas relações humanas
Em média, usamos o celular, em qualquer uma de suas funções, 175 vezes por dia. O número poderia ser menor, caso nós, usuários, refletíssemos se, em cada uma destas vezes, o uso é necessário ou não.
Com o discernimento, sobraria espaço para maior convivência humana, entre amigos, entre pais e filhos, entre casais, algo que nitidamente vem diminuindo com a evolução tecnológica. Se esta evolução não pode parar e traz benefícios, por outro lado tem sido fonte de uma perigosa mudança nas relações humanas.
Especialistas têm se debruçado em pesquisas para entender como lidar com esses novos fenômenos, do isolamento, da pressa, da ânsia em ver tudo ser resolvido em um instante. Da conexão eletrônica e do desligamento emocional. Das pessoas viverem “em on.” Mas dos sentimentos não serem analisados nem “em off.”
Entre estes especialistas estão duas das mais influentes estudiosas americanas, Sherry Turkle e Jean Twenge, cujos trabalhos foram apresentados em uma palestra com pais de alunos de uma escola particular em São Paulo, sobre uso consciente da tecnologia.
O debate também mostrou que, além desta consciência que os próprios adultos precisam ter, eles possuem outra difícil missão. Têm de educar seus filhos para que eles não contribuam, no futuro, para um mundo introspectivo, egoísta, cruel, insensível, baseado em uma comunicação agressiva e superficial.
Turkle, que é socióloga do MIT (Massachusetts Institute of Technology), ressalta que o cenário agora tem sido marcado por uma série de interferências na comunicação interpessoal. Ela acredita que, mesmo com os avanços tecnológicos e da inteligência artificial, não haverá uma evolução saudável da sociedade se a inteligência emocional do homem não prevalecer.
Enquanto um pai, por exemplo, está em um restaurante com seu filho, ele também não pára de lidar com questões no celular: pagar contas, marcar horários e outras atribuições que bem poderiam ser adiadas, não comprometendo o contato interpessoal.
Ela lembra que as novas gerações não passaram pelas mesmas experiências dos adultos de hoje, que tiveram de se adaptar à evolução do que era analógico para o digital. Usaram a máquina de escrever, o fax, a secretária eletrônica, o walkman, o vídeocassete, aparelhos de CD e DVD, i-pod, smartphone e spotify.
Muitos jovens nem têm ideia do que seja boa parte disso. Já “nasceram digitalizados”, o que tem provocado uma revolução no comportamento da sociedade. Prevalece hoje a tensão do imediatismo. Da repulsa à espera, até mesmo no elevador. Para um receptor de uma mensagem de WhatsApp, prevalece a pressa em recebê-la. E da parte do emissor, a pressão para enviá-la.
Turkle cita o termo presente/ausente. Várias pessoas estão em um lugar e, ao mesmo tempo, se veem em outro. Vale, então, a pergunta, no momento de dar o celular para uma criança e colocá-la diante destes riscos. “O que ela, a criança, estará perdendo se não tiver um celular neste momento?” Se for necessário mesmo, que assim seja. Se não, que haja a possibilidade de o plano ser adiado.
O tédio, neste turbilhão, está sendo praticamente eliminado, o que impede as pessoas de terem espaços mínimos de olharem para si mesmas. E mergulharem no chamado FOMO (Fear of missing out), que é o medo de que outras pessoas tenham boas experiências e você não, obrigando-o a ficar sempre conectado para saber das novidades, das séries, das conversas por WhatsApp, entre outras.
Neste momento, Twegne, professora de Psicologia na San Diego State University, tem conceitos mais pessimistas. Ela é adepta da tese de que o Smartphone destruiu uma geração, frase que, inclusive, é título de um livro de sua autoria.
“O número de jovens entre 17 e 18 anos que se reúnem diariamente com seus amigos, por exemplo, caiu mais de 40% entre 2000 e 2016”, escreveu ela, em um artigo no Washington Post.
É verdade que, segundo estudos de Twegne, neste momento, o nível de comunicação real entre as pessoas está perto do fundo do poço.
Os jovens têm saído menos de casa, se interessado menos em adquirir um carro, buscado menos o romance e as relações sexuais.
Mas, indo além, a conversa entre os pais mostrou que esse drama pode ser um passo para a transformação. E assim ser superado no futuro, mesmo sem a rapidez de um Bluetooth. A conclusão é de que há um campo muito amplo a ser explorado: o da conscientização, diante de um universo ainda tão novo.
Estudiosos chegaram à conclusão que, em oposição ao FOMO, existe o JOMO (Joy of missing out), que é o prazer e o alívio de, em certos momentos, a pessoa estar desconectada do mundo virtual. Sentindo-se livre das amarras tecnológicas, da necessidade das respostas rápidas, da obsessão de estar sempre ligado.
Este desapego colabora para a reflexão, concluíram os pais. E evita que, neste mundo cheio de novidades, o jovem perca a capacidade de ter empatia, a preocupação com os outros, o desejo do contato interpessoal e a convicção de que ele pode realizar coisas que máquina nenhuma realiza.
Guiada pela consciência dos usuários, a tecnologia poderá ser um importante aliado. Sem que o ser humano perca seu protagonismo.