PERNAS GROSSAS E DOLORIDAS: Lipedema é doença confundida com obesidade e gordura localizada

As pernas mais grossas desde a adolescência da publicitária Marcela Leifert, de 38 anos, ganharam um peso dolorido após as duas gestações. “Engordei muito mais nas pernas do que na barriga. Depois, emagreci, mas as pernas continuaram muito pesadas, e com um formato diferente. Não aguentava nem pegar uma fila, por exemplo”, lembra. Para tentar amenizar o incômodo, Marcela comprou uma bicicleta ergométrica e pegou firme nos exercícios. Mas nada de obter o esperado efeito. “Tentei emagrecer nas pernas, para tentar diminuir a dor, mas não perdia nada. Só no resto do corpo”, conta. O que Marcela ainda não sabia era que ela tinha lipedema, uma doença crônica de fundo hormonal ainda pouco discutida e diagnosticada pelos profissionais de saúde brasileiros. Condição que atinge quase que exclusivamente as mulheres, o lipedema é, muitas vezes, classificado erradamente nos consultórios como obesidade, gordura localizada, biotipo e herança genética. Bem diferente de uma gordurinha sobrando, o lipedema, explica o médico Fabio Kamamoto, é um tumor de gordura que atinge extremidades do corpo como pernas, joelhos, coxas e braços. “Como uma resposta do corpo a hormônios femininos, a mulher começa a ter um desenvolvimento de células de gordura”, explica. Puberdade, gravidez e menopausa podem desencadear a doença por serem momentos em que há grande quantidade de hormônios femininos em ação. O uso de pílula anticoncepcional e terapias de reposição hormonal também podem ser gatilhos para o lipedema, segundo o médico. Os sinais de alerta são dor, queimação, sensação de peso na região e manchas roxas na região. “Eu achava que era gordura localizada, biotipo… Até me incomodar muito com a dor”, diz Marcela. Outra característica própria do lipedema é que não há acúmulo de gordura no tronco, por exemplo, só as extremidades são atingidas.

Diagnóstico errado pode levar a transtornos e problemas de autoestima

Por não responder a medidas comuns de controle da obesidade, o diagnóstico errado do lipedema causa angústia e pode acarretar distúrbios alimentares, como anorexia e bulimia. Há uma angústia, a mulher toma as medidas viáveis, faz exercícios, controla a alimentação e não vê melhora”, diz Kamamoto. Marcela conta que teve problemas de autoestima. “Eu não usava mais vestido, nem short. Passei muito calor nesses últimos anos”, diz. O diagnóstico correto, muitas vezes, demora a chegar ou nem chega. Kamamoto, que é um dos médicos pioneiros do tratamento do lipedema no Brasil e cofundador da Associação Brasileira de Lipedema cita recente pesquisa feita com 150 mulheres que mostrou que 75% não receberam o diagnóstico de profissionais de saúde. “Isso, apesar de todas terem apresentado todas as características de lipedema: engordaram na perna, tinham dor, notavam manchas roxas”, diz. Não são poucos os casos da doença. Estatísticas com base em dados na Europa e dos Estados Unidos dão conta de que o lipedema atinge entre 9% e 10% das mulheres. “Se a gente transpuser essa estatística para o Brasil, seriam por volta de 5 milhões de mulheres”, diz Kamamoto. Ele diz testemunhar em seu consultório casos de mulheres que demoraram décadas até descobrirem que tinham a doença. Dois exames são essenciais para o diagnóstico correto, de acordo com Kamamoto: ultrassom das pernas (ou outra área afetada) para análise da saúde vascular e a cintilografia, que avalia a retenção de líquido na região e também pode excluir problemas vasculares.

Como tratar o lipedema

O tratamento clínico para o lipedema é feito em duas linhas: ações de controle e cirurgia de lipoaspiração. A doença é dividida em estágios: 1,2,3 e 4. Se diagnosticada nos estágios iniciais, a doença, apesar de crônica, pode ser controlada. As mulheres seguem dieta anti-inflamatória, com restrição de carboidratos, gorduras, sódio e carne vermelha para a redução das crises de dor e fazem atividade física que controle o peso. O mais indicado são as atividades na água. Nos estágios 3 e 4, por conta do peso, a mobilidade fica reduzida e a remoção das células de gordura é a única alternativa. Marcela segue a dieta recomendada e fez a lipoaspiração. “Estou muito animada com o resultado que vai aparecendo gradativamente, com a diminuição do inchaço, mas a leveza das pernas eu já sinto, e já mudou muito a minha vida”, diz.

Apesar de já ser reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença, o lipedema ainda não está na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) ou seja, ainda não há um código CID para ela. Mas, segundo Kamamoto, a expectativa é que a inclusão ocorra no ano que vem, na próxima convenção que estabelecerá a CID 11. Atualmente, a referência é a CID 10. Com a inclusão e o reconhecimento mundial, as chances de que o tratamento seja coberto pelos planos de saúde aumenta, assim como a oferta de tratamento de SUS, o que hoje não ocorre. Nesse sentido, já há um movimento da Associação Brasileira de Lipedema para um projeto de lei de iniciativa popular para obrigar planos e SUS a ofertarem o tratamento. “Nos Estados Unidos, a questão já está judicializada por conta da quantidade de ações contra os planos. Por lá, os convênios cobrem, não sendo mais necessário processar o plano. No Brasil, ainda necessitamos de um amadurecimento”, diz Kamamoto.

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