REGULAÇÃO NA VENEZUELA: Mais de 40 emissoras de rádios foram fechadas este ano

Ao longo deste ano mais 44 rádios foram fechadas na Venezuela. Algumas colocaram ponto final em suas transmissões por determinação da Comissão Nacional de Telecomunicaçãoes (Conatel) – órgão que regula as transmissões nacionais, outras por roubo e depredação. A ONG Espaço Público documentou que entre 2003 e 2022 pelo menos 233 emissoras de rádio foram fechadas no país.

Mais uma leva de fechamentos de estações e programas de rádio está acontecendo na Venezuela. No último sábado (22) foram fechadas pelo menos oito estações só em Rubio, uma pequena cidade do interior do país. O fim do funcionamento destas estações significa uma redução de 70% na oferta informativa desta pequena cidade rural, algo similar ao que vem acontecendo no restante do país.

A cada semana, organizações não governamentais e sindicatos da imprensa denunciam pelas redes sociais o fechamento de mais canais de informação. A reportagem da RFI Brasil na Venezuela conversou com Carlos Correa, diretor executivo da ONG Espaço Público: “O que está acontecendo é que a Conatel está fechando transmissões de diversas emissoras de rádio no país. Ao longo deste ano são mais de 44 (rádios fechadas). Do total de meios (de comunicação) no país, 70% são emissoras de rádio”, afirma.

A Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) é o órgão que examina e regula a legalidade dos conteúdos informativos veiculado pelos meios de comunicação venezuelanos.

No documento “A rádio na Venezuela ou a censura normalizada”, a ONG divulgou no início deste mês uma análise sobre a situação dos meios de comunicação locais.

Entre outros fatos, o documento destaca que “entre 2003 e setembro deste ano cerca de 233 emissoras de rádio foram fechadas. Este número representa 64% do total de meios de comunicação fora do ar”.

Roubo e depredação de emissoras

Entre 2017 e setembro de 2022 o principal responsável pelas ações contra as emissoras foi a Conatel, que interveio em pelo menos 55% dos casos, segundo a ONG.

No levantamento feito pela Espaço Público “as vítimas denunciaram que funcionários do órgão regulador costumam aparecer na sede do veículo de comunicação com o pretexto de que estão fazendo inspeções de rotina. Depois eles confiscam equipamentos de transmissão e sem prévio aviso”.

Mas 17% dos casos de fechamentos se devem a roubo de equipamentos e/ou da fiação, o que afeta as transmissões.

Foi o caso da Pentagrama FM, rádio que funcionou por 25 anos e era uma das referências informativas de Puerto Ordaz, cidade do estado Bolívar, quase na fronteira com o Brasil. Foi por esta estação o jornalista Damián Prat apresentou por quase uma década um programa de notícias.

Ele conta o motivo de a rádio ter saído do ar: “Na rádio onde eu estive fazendo meu programa nos últimos oito anos, a Rádio Pentagrama 107.3 FM, aconteceu há pouco mais de dois meses uma espécie de roubo, assalto, onde estavam a torre e os equipamentos de retransmissão. A depredação causada foi tão grave que nos obrigou a sair do ar”.

Além de caros, os equipamentos que permitiam a transmissão de conteúdos da Pentagrama FM são importados. “Reconstruir a rádio não será tarefa fácil”, explica Prat.

Advertências do órgão regulador

Em 2018, a Conatel advertiu várias vezes a Rádio Pentagrama 107.3 FM pela divulgação de “mensagens que promovem o desconhecimento de autoridades legitimamente constituídas”, no programa “Público y Confidencial”, apresentado por Damián.

O último comunicado chegou à emissora em 31 de julho deste ano. A rádio foi obrigada a tomar as medidas antes que o órgão regulador impusesse sanções, entre elas multas de até 10% do faturamento bruto da empresa.

Em 29 de agosto a Pentagrama FM saiu do ar após seus principais equipamentos, entre eles o transmissor, serem roubados.

Em 9% dos casos analisados pela ONG, há evidências de que forças de segurança do Estado, entre elas a Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e o Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), estiveram envolvidas no fechamento das rádios. Essas forças dão apoio a funcionários da Conatel durante a apreensão de equipamentos ou fechamento de estações.

Falta de eletricidade atrapalha

Há casos em que a concessão venceu e, em vez de obter a renovação o documento, a estação é retirada do ar. Pouco tempo depois, o dial é cedido a outros administradores. Este já tem a estrutura montada de uma rádio e passa então a emitir conteúdo diferente ao da emissora anterior.

A empresa de energia elétrica (Corpoelec) também aparece na lista como responsável por pelo menos 8% dos casos de não transmissão de conteúdo de rádio ao não garantir eletricidade contínua.

O fechamento das rádios e a interrupção dos conteúdos veiculados por elas representam uma lacuna informativa para a população. Como os venezuelanos fazem para se informar sobre o que acontece no país e no mundo?

Ao longo dos anos, com o fechamento ou mudança de linha editorial de rádios, canais de TV e de jornais impressos, a população buscou alternativas para conseguir informação. Dada a necessidade, outras formas de informar foram aparecendo. É o caso do Bus TV, uma inovadora forma de levar a notícia aonde o povo está: uma pequena equipe de jornalistas entra em um ônibus de linha para ler em voz alta aos passageiros as principais notícias do momento.

Há também o Serviço de Informação Pública. Desde 2017, quando violentos protestos abalaram o país e mais de 50 emissoras foram fechadas, um grupo de jornalistas entrega várias vezes ao dia, por Whatsapp, um breve podcasts com as notícias mais importantes do momento.

Houve também o surgimento de TVs e programas de rádio pelas redes sociais. Mas estes chegam a uma pequena parte da população com acesso adequado à internet.

Conteúdos agora são pró-governo

Ao longo de mais de uma década, é notável a mudança dos conteúdos informados pelas emissoras. Entre 2009 e 2014, o repertório delas era variado e ainda havia a possibilidade de escutar críticas ao governo. Hoje em dia, proliferam estações musicais ou as que dedicam conteúdo para divulgar feitos do governo.

A ONG destaca que a ação restritiva às rádios na Venezuela é sistemática e que tem um papel na política de Estado. O caso mais emblemático aconteceu em 2009 quando, ainda na Era Hugo Chávez, foram fechadas cerca de 34 emissoras de maneira simultânea.

Carlos Correa, diretor executivo da ONG, explica o que está por trás dos fechamentos: “O fechamento das emissoras acontece em um contexto que indica a intenção de mudar de proprietários, pessoas que têm algum tipo de relação ou proximidade com o atual governo. Ou estão sendo censuradas, fechando emissoras que tinham programas críticos, e assim vão reduzindo a oferta de programas e meios de comunicação para o debate. Isso é importante por causa dos próximos processos eleitorais”.

Declarações observadas

A ONG explica que “o Estado venezuelano impôs obstáculos para o livre fluxo de informação e para o uso formal do espaço radioelétrico”. Entre as emissoras de rádio em funcionamento, estão as privadas, as comunitárias e as do Estado.

Nos pouco programas informativos ainda existentes nos canais abertos de rádio, os jornalistas ou apresentadores escolhem a dedo os entrevistados. O principal “é conseguir dar a notícia de uma maneira indireta e que não chame atenção do estreito crivo da Conatel”, descreveu um jornalista que preferiu não se identificar.

Caso o entrevistado defenda opositores e/ou use adjetivos que possam ferir a integridade moral de alguém do governo ou de algum familiar, é preciso interromper a programação para ler no ar um texto enviado pela Conatel informando que aquela conduta fere o regulamento do órgão. Caso o apresentador não faça isso, corre o risco de ter o programa fechado ou a emissora ser retirada do ar.

“As restrições da Conatel às emissoras de rádio não visam apenas diretamente o fechamento de espaços ou mídias, mas também a modelagem da linha editorial, conforme o caso, por meio de ordens”, destaca o documento da ONG.

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