Selo postal usado em exame de DNA resolve mistério familiar 100 anos depois

Você já imaginou fazer um teste de DNA com uma amostra de saliva de uma pessoa que viveu há mais de cem anos? Se isso parecia impossível, cientistas suíços provaram que não é. Com a autorização da família, e alterando os nomes dos envolvidos, a investigação deste caso inusitado foi detalhada num artigo publicado na revista científica “Forensic Science International”.

Com o DNA presente em uma amostra de saliva contida em um selo de um cartão postal do século 19, pesquisadores desvendaram a verdadeira história de uma família e apontaram a verdadeira paternidade quem um filho mais de cem anos depois.

Essa história incomum começou em 1885, quando Xaver, um jovem ferreiro deixou a fazenda da família, na Alta Áustria, em busca de melhores condições financeiras.

O jovem conseguiu emprego em um dos ex-estados do leste do Império Austríaco onde conheceu Dina, uma jovem judia, de 17 anos, filha de seu patrão, e se apaixonou pela garota.

Ao descobrir o relacionamento dos dois, Xaver foi demitido e mudou-se de cidade em busca de um novo emprego. Para não ficar longe do amado, Dina fugiu de casa após encontrar trabalho e alojamento na casa de Ron, de 30 anos, proprietário de uma fábrica e também judeu.

Em setembro de 1886, Dina e o então patrão Ron tiveram uma aproximação e nove meses depois, Renc nasceu, filho supostamente do casal, que, por isso, recebeu os rituais judaicos.

No entanto, Dina e Xaver não haviam terminado o relacionamento e se casaram dois anos depois. Xaver reconheceu Renc, então com um ano e meio de idade, como seu enteado.

Anos mais tarde, Xaver e Dina tiveram outros três filhos, um deles chamado Arles.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a ascendência judaica de Renc foi mantida em segredo, enquanto ele e seus parentes viviam com medo de serem deportados para os campos de concentração.

O segredo de sua paternidade foi mantido por anos, mas entre a família todos sabiam que Ron seria o pai biológico de Renc.

Pedido de DNA

Em 2017, um pedido inusitado chegou até Cordula Haas, uma geneticista da Universidade de Zurique, na Suíça: os descendentes queriam ter a certeza se Ron era o verdadeiro pai de Renc.

Para descobrir a paternidade, ofereceram amostras genéticas de familiares vivos de Dina, Renc e Arles e, a pedido de Haas, alguns cartões postais enviados por Renc e Ron que poderiam conter o DNA deles nos restos da saliva usada para colar os selos.

Resolver casos de parentesco é uma tarefa comum em genética, mas solucionar uma paternidade com amostras de DNA centenárias era algo mais complexo do que Haas estava acostumada a fazer.

Durante um ano e meio, ela e sua equipe tentaram confirmar a história e descobrir quem realmente seria o pai de Renc. Mas sem conseguir chegar a uma conclusão ela desistiu do caso em outubro de 2018.

Novos cartões postais

Em março do ano passado, a família pediu para que a investigação fosse retomada. Eles haviam encontrado outros cartões-postais antigos enviados por Arles em uma viagem de negócios em 1922.

Os cientistas compararam o DNA dos selos desses cartões com o DNA dos cartões enviados por Renc enquanto ele lutava na Primeira Guerra Mundial. Havia uma linhagem cromossômica Y em comum, o que significava que os dois irmãos compartilhavam o mesmo pai.

Após mais de um século, a família encerrou o drama da paternidade: Xaver era o pai de Renc, e não Ron.

Haas disse que a família ficou surpresa com a descoberta e feliz em saber a verdadeira história de seus ancestrais.

Como a descoberta vai ajudar

A extração de DNA centenário em objetos —uma aba de envelope lambida0- foi considerada um avanço importante na genealogia genética.

O sucesso desse caso faz os cientistas acreditarem que qualquer pessoa pode conseguir informações preciosas sobre ancestrais e entes queridos que faleceram há anos ou até mesmo séculos e assim conseguir mais dados da árvore genealógica, ajudando até a encontrar com familiares desconhecidos.

“Todos, dentro de um arquivo familiar, também têm um arquivo de DNA. Isso pode ajudar as pessoas a responder a questões profundas sobre sua história familiar e isso é muito, muito legal”, diz Maarten Larmuseau, geneticista forense da Universidade de Leuven, na Bélgica.

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