SEM GATO POR LEBRE: Saiba o que precisa observar ao comprar um carro usado

Quem acompanha de perto o mercado de carros usados sabe como é difícil conseguir veículos bons e baratos. Geralmente quando o carro é bom, é oferecido e vendido por um valor acima da média de mercado. Isso se complica quando o orçamento do comprador é baixo, a ponto de poder considerar apenas modelos com muitos anos de uso.

Recentemente atendi um caso assim, de uma pessoa que estava com apenas R$ 17 mil disponíveis para comprar um carro. No nosso atual momento, com forte alta nos preços, esse é um orçamento bem limitado.

Normalmente teria recusado esse serviço, mas na conversa com o comprador entendi que precisava apenas de um bom carro e que estava com o leque aberto para qualquer opção de marca, ano, cor e opcionais.

Com isso, entendi que poderia considerar automóveis mais simples, sem os desejados equipamentos como direção assistida ou ar-condicionado. Sendo assim, aceitei o desafio.

Como previsto, não foi fácil. Mas, depois de descartar algumas opções, surgiu uma que poderia se encaixar perfeitamente. O carro em questão era um simples Chevrolet Corsa Wind 2001, na linda cor “Vermelho Iate” e com apenas 30 mil quilômetros.

O preço do anúncio era um pouco acima do orçamento inicial e bem mais caro do sugerido pela Tabela Fipe. Porém as fotos do carro, a descrição do anúncio e a baixa quilometragem fizeram com que se tornasse um forte candidato para o meu cliente.

Confesso que tenho um pé atrás com carros que apresentam quilometragens “surreais” como a desse Corsa. Considerando os 20 anos de vida, a média era de apenas 1.500 quilômetros por ano, ou cerca de três tanques de gasolina. Difícil acreditar. Por isso seria preciso muita atenção na avaliação, para não correr o risco de ser enganado.

Para nossa sorte o carro era realmente muito bom e com evidências de que a quilometragem era original. A seguir, itens importantes que foram avaliados para chegar nessa conclusão.

Procedência

O carro teve mais de um dono. Para ser exato, foram três. Não é um bom sinal, pois teria que considerar que eles rodaram pouco, algo incomum. Porém, todos os documentos do carro desde novo foram apresentados e, com isso, a constatação de que o primeiro dono ficou apenas seis meses com o veículo, enquanto o segundo manteve o automóvel entre 2001 e 2019.

Por fim, o terceiro comprou-o para dar à filha, mas a mesma não se adaptou por não ter direção assistida e pouco rodou com o carro. Ou seja: na prática, esse Corsa ficou 18 dos 20 anos com o mesmo dono, algo que contribuiu para construir a história da originalidade da quilometragem.

Funilaria, estrutura e pintura

Foi uma grata surpresa quando a carroceria do carro foi avaliada. Sem nenhum ralado ou amassado aparente, a primeira impressão foi positiva. Mas a qualidade foi bem além disso, pois confirmamos que 100% da pintura era original, de acordo com ferramentas próprias para esse tipo de checagem.

Com isso, eliminamos qualquer tipo de serviço de funilaria proveniente de colisões, e assim como a ausência de um problema estrutural. O leitor pode pensar que isso não tem nada a ver com quilometragem, mas é sim um forte indício, já que é improvável que um carro com uso normal em um período de 20 anos nunca tenha sofrido acidentes.

Já pintura original não apresentou nenhum desgaste por tempo, sugerindo que o carro tenha passado toda sua vida em uma garagem coberta.

Estofamento

O Corsa Wind é um carro simples, portanto o tecido utilizado no estofamento dos bancos e portas também é. Sendo assim, não suporta muito tempo de uso sem apresentar desgastes.

Nesse carro avaliado, o estofamento estava como se fosse novo. A impressão foi de ter entrado em uma máquina do tempo que me deixou em uma concessionária Chevrolet do início dos anos 2000. Além da boa aparência, as espumas do assento e do encosto do banco do motorista também estavam perfeitas, sem nenhuma deformação.

Até aí tudo estava indo bem na avaliação, até chegar o próximo item.

Volante, pedais e manopla do câmbio

Pedais impecáveis, volante idem, mas a manopla do câmbio não era original, pois aparentemente se tratava de uma peça de marca paralela e de aparência bem próxima da original.

Naquele momento fiquei com uma pulga atrás da orelha. Quando avalio um carro, faço um serviço parecido com o de um detetive. Adoro tentar desvendar os mistérios e montar o quebra-cabeça da história de um carro. Mas como sempre deixo claro, nem tudo consigo responder.

Infelizmente o motivo da manopla do câmbio ter sido trocada não foi desvendado por mim, mas posso especular que teve algum problema de qualidade e se desgastou precocemente. Diante de todos os pontos positivos, decidi seguir com a avaliação.

Odômetro

Carros mais antigos como esse Corsa utilizam odômetros analógicos. Para serem adulterados, precisam ser literalmente desmontados, diferentemente do que acontece com carros modernos em que a adulteração é feita através de softwares inseridos na parte eletrônica.

Sendo assim, parafusos aparentes do painel teriam que ter marcas de uso, mas felizmente não tinha nada. A aparência do parafuso sugeria que estava lá desde o dia que o carro foi fabricado. Ao que tudo indica, o painel não precisou ser desmontado nem mesmo para trocar alguma lâmpada dos mostradores.

Comprovantes de manutenção

Pouco foi apresentado, infelizmente. Eu, com meus carros, opto por guardar tudo que faço neles, seja para meu controle ou para apresentar a um futuro comprador. Também recomendo isso para todos, mas não é o que acontece no mundo real.

Boa parte dos carros que avalio, sejam mais novos ou antigos como esse Corsa, tem pouca documentação de manutenção para ser apresentada. Com isso, poderia até descartar a compra do carro, mas por se tratar de um Corsa, veículo de manutenção barata e simples, preferi verificar visualmente a parte mecânica e elétrica para tentar identificar algum problema. Mais uma vez, tudo que pôde ser visto aparentou estar bom, com desgastes que condizem com a quilometragem.

Teste de rodagem

A cartada final foi o teste de rodagem, o popular test-drive. Ali ficou evidente que não era só a aparência do carro que estava boa. A dirigibilidade era a mesma de um carro novo, e tenho muitas referências para poder comparar.

O Corsa não tinha nenhum ruído, folga ou vibração fora do normal, tal como em carros com pouco uso. O ponteiro do velocímetro, que em carros com quilometragem adulterada pode sofrer com fortes vibrações e imperfeições, estava perfeito.

Por fim, quero concluir que fechei negócio nesse carro, que já está nas mãos do meu cliente. E como o leitor pôde perceber, nem tudo é técnico e exato em uma avaliação de carro usado. É preciso se atentar a tudo e considerar pontos subjetivos para poder concluir se a compra é boa ou não.

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