Tática de ‘iscas’ e denúncias: como agência acha imigrantes ilegais nos EUA
Desde que Donald Trump tomou posse para o seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, o ICE (serviço de imigração e alfândega do país) realiza operações em diversos estados para cumprir uma das promessas de campanha do presidente: deter e deportar imigrantes ilegais.
Como o ICE localiza os imigrantes ilegais?
Seus agentes monitoram tanto entradas como ações ilegais de estrangeiros nos EUA como questão de “segurança nacional”. O ICE existe desde 2003 e foi estabelecido como uma agência de proteção de fronteiras dentro do Departamento de Segurança Interna (DHS, em inglês) como ferramenta de combate ao terrorismo após o 11 de setembro de 2001. Desde então, a busca por imigrantes ilegais é feita a partir de denúncias anônimas ou de pistas que obtenham em colaborações com investigações de outras agências federais, como o FBI (a polícia federal americana), além de conversas com testemunhas.
Eles também têm acesso a diferentes bases de dados, segundo o Centro Nacional de Legislação de Imigração (NILC). A organização sem fins lucrativos de defesa dos direitos de imigrantes explica, em seu site, que a agência estabelece uma rede de informações. Esta rede é alimentada, sobretudo, por fichas policiais de prisões recentes feitas pelo FBI e pelo próprio DHS, que combate o terrorismo.
Mesmo fichas de cidadãos que estão legalmente nos EUA podem auxiliar o ICE nas investigações. Por exemplo, se uma família tem imigrantes legais e ilegais e o ICE recebe uma denúncia de que o ilegal mora com uma migrante legal, os agentes podem checar registros de endereços em uma das bases de dados a que o ICE tem acesso: a do DMV (o Detran americano). Além disso, o ICE consulta registros do NCIC (Centro de Informação Nacional de Crimes)
ICE realiza vigilância de suspeitos de imigração ilegal. Pessoas podem ser observadas por agentes à paisana por um tempo e se tornarem até alvo de “iscas”: agentes do ICE podem fingir que são policiais investigando crimes comuns em um bairro para entrar em residências sem um mandado judicial, por exemplo, ou informar que encontraram um documento perdido e pedir ao indivíduo que vá buscar em um local para realizar a prisão, segundo o Immigration Defense Project, que oferece ajuda legal a imigrantes.
A prática das “iscas” — ou “fraude estratégica” — se tornou parte das políticas internas do ICE desde 2005, segundo a Columbia Law Review, periódico da Universidade Columbia, em Nova York. Há instituições e advogados que alegam que é uma violação da 4ª Emenda da Constituição, que protege cidadãos contra buscas e apreensões ilegais. No entanto, o texto constitucional só proíbe procedimentos “pouco razoáveis” sob a lei e não todas as ferramentas de “inteligência” durante investigações, como a isca é vista pelo ICE.
Agentes do ICE utilizam dispositivos eletrônicos para checar dados biométricos. Através de digitais ou do reconhecimento facial, eles conseguem rapidamente obter informações sobre um suspeito de imigração ilegal durante uma abordagem, utilizando diversas das bases citadas acima. Dependendo do histórico do imigrante com a Justiça, ele pode ser preso na hora, mesmo por acusações que não tenham a ver com seu status de imigração no país. A implicação legal justificaria a deportação.
Organizações de direitos civis apontam o risco de, em muitos casos, estrangeiros serem abordados simplesmente por um critério de raça, levando a crimes de ódio em caso de prisão violenta, por exemplo. Há ainda a chance de colaboração entre agências: oficiais de condicional, por exemplo, costumam alertar o ICE a respeito da liberdade provisória de um indivíduo ilegal no país. Em alguns estados, como o Colorado, este tipo de conduta é proibida, segundo a ONG centenária ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis).
A mudança sob Trump
Agentes estão realizando blitz em diversas cidades. Nova York, Chicago, Filadélfia, Phoenix, San Diego, Denver, Miami, Atlanta e Seattle são algumas das cidades em que operações já estão em andamento, segundo a rede americana NBC. O ICE estaria atuando em conjunto com outras agências, como o FBI e o DEA (que combate o tráfico de drogas) para realizar prisões em massa de indivíduos supostamente ligados a invasões, roubo, crimes sexuais, gangues, posse legal de armas, extorsões e etc.
Prisões agora podem ser realizadas dentro de igrejas e escolas, que antes eram legalmente “santuários”. Segundo a Associated Press, a ordem emitida por Trump retira este status dos templos e escolas e religiosos já estão reagindo, como é o caso da bispa Mariann Budde, da Igreja Episcopal. Em seu púlpito durante cerimônia que era parte do programa da posse do presidente, ela pediu misericórdia aos imigrantes. Líderes católicos e metodistas já resistiram a colaborar com o ICE.
O “czar da fronteira” escolhido por Trump, Tom Homan, anunciou que quer estabelecer uma linha de telefone para receber pistas de imigrantes ilegais. Sua ideia ainda não está em vigor.
Um promotor no Mississippi, Matthew Barton, deu seu apoio ao projeto de lei 1484 do deputado estadual republicano Justin Keen que pretende estabelecer um programa de caçador de recompensas de imigrantes. Assim, americanos receberiam US$ 1.000 para capturar e entregar estrangeiros ilegais ao ICE.
Até o momento, o ICE não pode entrar em áreas particulares, como uma casa ou área restrita a funcionários em uma empresa, sem permissão assinada por um juiz. Ainda segundo o NILC, os agentes podem entrar e realizar buscas em ônibus, trens, barcos e aeronaves em até 100 milhas da fronteira terrestre ou marinha dos EUA.
Prisões em espaços públicos ou privados podem ser realizadas se houver “causa provável” — isto é, suspeita razoável de que um crime está acontecendo naquele momento —ou um mandado assinado por juiz.