Terapeuta pode denunciar paciente que confessa crime em sessão?

Você já deve ter ouvido que não esconder nada do terapeuta e estabelecer com ele uma relação de confiança é fundamental para o sucesso de um tratamento de saúde mental. Isso permite ao paciente estar à vontade para se abrir e explorar seus problemas emocionais e psicológicos e disposto a ouvir as orientações e intervenções do profissional.

Mas e quando se comete um crime, quais as consequências de o revelar em terapia? Bom, essa é uma pergunta delicada, complexa e que divide opiniões. Por exemplo, se o delito envolve violência, ainda mais contra crianças, idosos, mulheres, pessoas com deficiência, o psicólogo ou psiquiatra pode ter o dever legal e cívico de denunciar o caso às autoridades competentes.

Entretanto, se o crime não afetou diretamente a vida ou a integridade de outras pessoas, o profissional pode manter o sigilo e ajudar o paciente a lidar com as consequências psicológicas do seu ato. De acordo com o Código de Ética, o sigilo profissional é um dever que visa proteger a intimidade das pessoas atendidas, como quando estão sendo investigadas ou mediante uma intimação judicial, por exemplo. Porém, existem situações em que o sigilo pode ser quebrado.

O significado da ‘quebra’
Quando um paciente revela ter intenção de praticar algum crime, primeiro o profissional deve tentar dissuadi-lo a não fazer isso. Agora, se ele cometeu e revelou o crime, o terapeuta avalia cuidadosamente os riscos e benefícios de manter ou quebrar o sigilo, considerando os direitos e deveres do paciente, da sociedade e os seus próprios, como profissional, informa Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo).

O Código de Ética permite que você se recuse a atender determinado paciente, se você não for a única pessoa disponível na área para atendê-lo, ou por motivos que sejam contra os seus princípios. Mas, no fundo, é controverso e polêmico, pois a Lei não é específica e clara. A decisão de romper, ou não, acaba sendo da consciência do profissional.
Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP

Nesse processo, o profissional pode buscar orientação de colegas ou entidades de classe competentes. Se decidir pela quebra do sigilo, deve informar ao paciente sobre sua decisão e as razões que a fundamentaram, de forma a garantir o respeito à sua dignidade, evitar acusações e o aumento de danos. Além disso, todo o processo de tomada de decisão e as ações realizadas devem ser documentados, para fins de registro e eventual defesa profissional.

E se o sigilo permanecer?
Caso o terapeuta opte pelo sigilo, a partir daí ele deve considerar os aspectos psicológicos do paciente envolvidos no delito. “Deve incentivar o paciente na psicoterapia, a fim de entender o que motivou tal comportamento e quais consequências poderão atingi-lo”, diz Paula Souto, psiquiatra e professora da Afya Educação Médica de Fortaleza. Esse longo trabalho deve ser estabelecido por meio de uma escuta ativa, de empatia, sem julgamentos ou discriminação.

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O psicólogo ou psiquiatra deve ainda ajudar o paciente a refletir sobre sua responsabilidade, culpa e reparação, favorecendo sua consciência crítica, capacidade de arrependimento e possibilidade de mudança. “É preciso entender em que contexto o comportamento delituoso está inserido, pois pode ou não ser decorrente de um transtorno mental”, afirma Souto.

Em determinadas situações, as intervenções medicamentosas podem, ou não, ser necessárias, como para ajudar a controlar ansiedade e impulsos associados. Entre as condições que podem cursar com delitos estão a esquizofrenia, a cleptomania e os transtornos psicótico, bipolar, obsessivo-compulsivo, de personalidade histriônica, borderline, antissocial e narcisista.

Esteja preparado para tudo
De acordo com a complexidade e demanda do caso, como quando o indivíduo sofre surtos psicóticos, delírios, entra num quadro de abstinência, pode ser mais efetivo e seguro para ele o terapeuta trabalhar com uma rede e envolver a família do paciente em cuidados e supervisão, informa o psiquiatra Luiz Scocca. A reinserção social nessas situações acaba sendo favorecida.

O profissional também pode fazer um encaminhamento para grupos de apoio e serviços de referência, com outros profissionais. Já medidas de segurança, como internação de custódia, são previstas a depender da gravidade do crime e do transtorno. Visam pessoas consideradas inimputáveis ou semi-imputáveis, ou seja, incapazes de responder judicialmente por seus atos.

Para que alguém seja reconhecido como tal, é necessário ser submetido a exame médico-legal para comprovar a condição de transtorno e se foi esse o motivo que desencadeou a prática do delito. Entretanto, crimes também envolvem contextos sociais, familiares, econômicos e más intenções. “A chance de fracasso é alta quando envolve mentira. Para falta de caráter, não há tratamento”, diz Wimer Bottura, psiquiatra e terapeuta pelo Instituto de Psiquiatria da USP.

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