Um vírus, várias complicações: entenda problemas que o herpes-zóster causa

Quem viveu nos anos 1980 ou 1990 deve se lembrar que, naquela época, a varicela, popularmente conhecida como catapora, era uma doença comum em crianças. Causada pelo vírus varicela-zóster, sua marca registrada são pequenas bolhas em todo o corpo (às vezes, centenas!).

Mas o que parece apenas um incômodo da infância pode ser um problema para toda a vida. Embora as feridas da catapora desapareçam em cerca de 15 dias, o vírus varicela-zóster permanece por décadas “adormecido” (em latência no organismo), mais especificamente alojado nos gânglios das raízes dorsais.

No momento “oportuno” —quando a imunidade do nosso corpo “diminui” por causa de algum problema de saúde ou do envelhecimento—, o vírus é reativado e entra novamente em ação, causando uma nova doença: o herpes-zóster.

O que é o herpes-zóster

A principal doença causada pelo vírus é conhecida popularmente como “cobreiro”. O problema gera feridas cheias de água, que seguem o trajeto de um nervo.

Mas também pode haver consequências mais sérias. A mais famosa delas é a neuralgia pós-herpética, uma dor potente no local das lesões, muitas vezes acompanhada de ardência e sensação de formigamento, que pode permanecer por anos.

Por volta de 40% das pessoas que têm um quadro agudo de herpes-zóster, apesar de se recuperarem da lesão, ficam com dor crônica, e os analgésicos que temos disponíveis atualmente não conseguem controlá-la”, diz Thiago Mattar Cunha, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo) especializado em dor e inflamação.

É terrível para a qualidade de vida do paciente, que passa também a sofrer de insônia, depressão e ansiedade, e de sua família.”

Outros problemas que o herpes-zóster pode causar

Embora menos comum, a infecção pelo herpes-zóster pode levar ainda a outros problemas, como paralisia facial e auditiva e até cegueira —quem não se lembra do cantor canadense Justin Bieber cancelando seus shows no ano passado por não conseguir movimentar o rosto?

É importante lembrar que o herpes-zóster e os herpes genital e comum (que aparece na região dos lábios) são doenças diferentes, causadas por vírus distintos —a família do herpes, aliás, tem oito tipos. No caso do zóster, além das feridas e da dor, ele pode provocar:

CERATITE HERPÉTICA

Quando afeta a área dos olhos e não é tratado corretamente, o herpes-zóster pode inflamar a córnea, que é a membrana transparente que nos permite enxergar com nitidez. Isso causa:

  • dor local forte
  • irritação
  • vermelhidão
  • sensação de areia nos olhos
  • sensibilidade à luz
  • excesso de lágrimas
  • visão embaçada

Identificar a ceratite herpética e iniciar o uso de antivirais (via oral ou colírio) é chave para evitar tanto a inflamação recorrente quanto a formação de úlceras e cicatrizes que levam à perda da visão.

PARALISAÇÃO FACIAL

Também conhecida como paralisia de Bell, costuma comprometer a pálpebra e a boca, ressecando essas regiões. Pode ser causada, além do varicela-zóster, pelos vírus da herpes simples, Epstein-Barr (causador da mononucleose, a “doença do beijo”) e citomegalovírus.

A infecção gera uma inflamação no nervo responsável pela contração da musculatura facial e seus vasos sanguíneos, que incham e acabam comprimidos pelos ossos, impedindo a comunicação com os músculos.

O tratamento é feito com antivirais, corticoides e lágrimas artificiais, para manter o olho úmido. Pode durar até nove meses.

SÍNDROME DE RAMSAY HUNT

Justin Bieber - Evan Paterakis/Divulgação - Evan Paterakis/Divulgação

Quem assistiu aos vídeos postados por Justin Bieber após receber esse diagnóstico, em 2022, viu o que acontece quando o varicela-zóster afeta os nervos faciais e auditivos, provocando a síndrome de Ramsay Hunt:

  • paralisia facial, com restrição no movimento da boca e dos olhos
  • dor e zumbido no ouvido
  • comprometimento da audição
  • tontura
  • lesões no canal auditivo, na orelha e na boca

Para tratar, os médicos receitam antivirais que combatem o vírus, corticoides que desincham o nervo e analgésicos e colírios que diminuem incômodos e ressecamentos locais. Dependendo do caso, pode ser necessária uma cirurgia que descomprima o nervo.

SÍNDROME DE REYE

Apesar de poder se manifestar em qualquer fase da vida, esse problema raro afeta com maior frequência crianças entre 4 e 12 anos que usam ácido acetilsalicílico (AAS), substância presente na aspirina, durante a catapora.

Nesse caso, primeiro ocorre uma inflamação do fígado e, na sequência, do cérebro, causando agitação, convulsões, delírio, desorientação, irritabilidade, sonolência e vômitos.

A condição não tem cura —o tratamento ministrado tem como objetivo reduzir o inchaço do cérebro, com intubação, elevação da cabeça e medicamentos para eliminar líquidos. É fatal em cerca de 20% dos casos.

INFARTO DO MIOCÁRDIO

Estudo publicado este ano mostrou que pacientes com histórico de herpes- zóster têm 1,35 vezes mais risco de desenvolver infarto do miocárdio num período de 30 dias após a infecção. Já os vacinados com pelo menos uma dose da vacina Shingrix tiveram 18% menos probabilidade de desenvolver o problema. Homens, pessoas com comorbidades (obesidade, diabetes, pressão alta) e idosos foram os que apresentaram maior risco.

ALZHEIMER E OUTRAS DEMÊNCIAS

“Na literatura, há alguns artigos sobre a influência de doenças infecciosas, como o herpes-zóster, no aumento do risco de doenças neurodegenerativas —demências, Alzheimer e Parkinson, por exemplo”, afirma Luciana Abbade, professora do Departamento de Infectologia, Dermatologia, Diagnóstico por Imagem e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”).

Segundo a especialista, a vacina contra herpes-zóster pode reduzir o risco dessas doenças por diminuir a incidência da infecção.

Como evitar e tratar o problema

A vacinação é a melhor maneira de se prevenir contra o herpes-zóster e, especialmente, suas complicações.

No caso das crianças, isso significa tomar as duas doses do imunizante que protege contra a catapora (a primeira aos 15 meses, como parte da vacina tetraviral, e a segunda entre 15 e 24 meses), oferecido gratuitamente no SUS.

Já para os adultos com 50 anos ou mais, são recomendadas duas doses da vacina Shingrix, focada no próprio herpes-zóster. O imunizante está disponível apenas na rede particular, custa cerca de R$ 1.000 por dose e evita, em 90% dos casos, as manifestações clínicas e a dor —ela é recomendada, inclusive, para quem já teve um quadro de herpes-zóster.

“Quando há infecção, o diagnóstico precoce é o X da questão”, alerta Maria Genúcia Cunha Matos, professora de dermatologia da UFC (Universidade Federal do Ceará). “Se realizado em até 48 horas do início dos sintomas, há uma grande chance de a neuralgia pós-infecção não existir.”

Por isso, é importante ficar atento às seguintes características para identificar rapidamente a infecção:

  • O herpes-zóster acontece com maior frequência em idosos a partir de 65 anos
  • Afeta principalmente as regiões do tórax, da lombar e a lateral do corpo
  • Outra área comum é a face, no olho e na boca
  • As feridas costumam ser unilaterais, ou seja, em apenas um lado do corpo
  • O primeiro sintoma é a dor, que pode ser acompanhada de coceira e, na sequência, feridas

“É importante lembrar que, embora seja possível tratar as manifestações com antivirais como aciclovir, valaciclovir ou fanciclovir, o varicela-zóster persiste no organismo para o resto da vida, de forma latente, e volta a se manifestar como herpes-zóster sempre que ocorrerem alterações imunológicas no organismo”, explica Juvêncio Furtado, professor de infectologia da Faculdade de Medicina do ABC e chefe do departamento de infectologia do Hospital Heliópolis, em São Paulo.

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