Usa até apreender: como é a nova tendência de comprar carro ‘só para rodar’
Fiat Palio 2010 por R$ 1.500, Hyundai HB20 2019 por R$ 16 mil, Ford Fusion 2011 por R$ 11 mil? Alguns anúncios de carros nas redes sociais parecem até pegadinha, e realmente são. Com o aumento do preço dos automóveis, a tendência de comprar veículos muito abaixo do valor de mercado “só para rodar” está crescendo.
Atualmente existem grupos especializados nesse tipo de transação. O segredo do preço baixo é simples: o carro não tem documentação ou acumula multas que ultrapassam seu valor.
Quem compra um carro desses tem em mente que está entrando em um negócio de alto risco, afinal, o veículo pode ser apreendido na primeira blitz. O vendedor não dá garantias e deixa bem claro a situação jurídica do automóvel. Por outro lado, na maioria dos casos, o comprador não corre risco de ser preso ou de ficar com débitos com a Justiça.
O advogado e escritor Marco Fabrício Vieira, membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Contran (Conselho Nacional de Trânsito e integrante do Cetran-SP (Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo) explica que o veículo nessas condições está constantemente sujeito à remoção pelo órgão ou entidade executivo de trânsito ou rodoviário competente.
“A aquisição de um veículo com documentação irregular, por si só, não caracteriza infração de trânsito, até porque, o adquirente de boa-fé pode regularizar a situação pagando todos os débitos, passando o bem para o seu nome. Assim, aquele que simplesmente conduz um veículo desses somente pode ser responsabilizado por infrações de trânsito definidas como sendo de responsabilidade do condutor, desde que ele seja identificado no auto de infração de trânsito ou seja indicado pelo proprietário como sendo o real condutor”, esclarece.
No entanto, a responsabilidade do condutor pela infração se limita à atribuição da pontuação ao seu prontuário de motorista, que pode acarretar a suspensão do direito de dirigir ou a cassação do documento de habilitação, dependendo do caso concreto. Ou seja, o condutor não tem responsabilidade sobre o pagamento da multa imposta, uma vez que essa está vinculada ao veículo.
O Ministério dos Transportes tem ciência da nova tendência e afirmou que o veículo comprado com débitos ou pendências de quaisquer naturezas, sejam multas ou pagamento do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), não tem o licenciamento do ano emitido pelos órgãos responsáveis.
“Quem for flagrado em situações como essas, especialmente sem o licenciamento, está sujeito às penalidades previstas no Código de Trânsito Brasileiro. A medida administrativa adotada será o recolhimento do automóvel ao depósito do órgão de trânsito local, com aplicação de nova multa. A retirada do veículo só é possível após o proprietário sanar todas as pendências. Quem compra veículo nessa situação acaba não retirando o bem porque, às vezes, o valor da dívida é maior do que do automóvel. Assim, o item acaba abandonado e irá, posteriormente, a leilão”.
Segundo Vieira, não há infração administrativa ao proprietário que não providencia a liberação do veículo removido ao pátio de custódia. Nesse caso, após 60 dias, contados da data do recolhimento, o veículo será avaliado e levado à leilão para pagamento dos débitos a ele vinculados, obedecida a ordem de credores prevista no §6º do artigo 328 do CTB.
Não sendo suficiente o valor arrecadado com a venda do veículo, os débitos remanescentes poderão ser objeto de cobrança por meios judiciais pelos respectivos credores.
Detran alerta: prática é ilegal
O Detran-SP informa que os veículos postos à venda “só para rodar” – que não possuem documentação regularizada e que, muitas vezes, não podem ser transferidos – circulam totalmente na ilegalidade. “Caso a fiscalização flagre um veículo circulando nessas condições ele será apreendido e a pessoa que pagou por ele pode não recuperá-lo. Recolhido o veículo, este pode entrar em processo de leilão a partir de 30 dias depois da apreensão.”
Segundo o órgão, eventuais casos em que sejam verificadas práticas ilícitas por motoristas ou procedimentos irregulares em relação à documentação e à circulação de veículos são encaminhados para abordagem, acompanhamento e investigação pela Polícia Civil, com o apoio do Detran-SP.
Risco de comprar carro roubado
Quem compra um veículo com um valor completamente incompatível com a realidade do mercado sabe que o carro está envolvido em algum sinistro – que pode ser apenas a falta de documento ou algo mais grave, como roubo e furto. Se o caso for o segundo, o comprador não vai conseguir comprovar que agiu de boa fé – já que pagou tão pouco – e pode acabar respondendo pelo crime de receptação, com pena de reclusão de um a quatro anos.