
Vídeo contra urna eletrônica usa ‘hacker’ acusado de fakenews
A propaganda que o jovem não obteve há um ano e meio agora lhe foi dada por um deputado bolsonarista interessado em usá-lo para colocar em xeque a credibilidade das urnas eletrônicas. Filipe Barros (PSL-PR) mandou uma equipe ao presídio Professor Jacy de Assis, em Minas, para que o hacker falasse para as redes sociais sobre as supostas habilidades capazes de derrotar a Justiça Eleitoral.
Marcos Roberto foi perguntado se com tempo e estrutura conseguiria “invadir o sistema eleitoral”. Algemado, afirmou: “conseguiria”. E disse que poderia inserir votos artificialmente em servidores: “manipularia tudinho”. Há anos a Justiça Eleitoral usa tecnologia de ponta e recebe especialistas para testes públicos de segurança. Nenhum atestou o que Marcos declarou.
Com 25 anos, o jovem até pouco tempo usava um velho notebook Samsung e morava com uma companheira no assentamento Glória, na área de Uberlândia. Sem formação acadêmica, aprendeu sozinho a interagir com computadores e a programar. O vídeo foi ao ar em 16 de julho, dia em que Filipe Barros por pouco não amargou uma derrota. Perto de ver a proposta do voto impresso ser sepultada na comissão especial, ele e os governistas adiaram a análise até agosto. O presidente Jair Bolsonaro tem insistido que a urna eletrônica é passível de fraude.
No dia em que foi gravado pela equipe do deputado, o hacker contou ter sido chamado para conceder “entrevista a uma empresa de cibersegurança”. O jovem foi levado ao cartório da prisão, onde duas pessoas o aguardavam com câmera. Uma terceira fez perguntas por meio do celular de um dos presentes.

Foto: Reprodução / Estadão
Os advogados do hacker tomaram ciência da gravação só após ela ir ao ar. Para eles, houve claro prejuízo à defesa e às garantias do preso, uma vez que o rapaz foi submetido a um contexto que pode implicá-lo em processos a que responde sem que tenha tido orientação técnica. “O deputado usou o Marcos como boneco de manobra política”, diz o advogado André Coura.
Questionada sobre o vídeo, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais frisou que as questões deveriam ser feitas ao deputado. Acrescentou que o jovem “aceitou ser entrevistado” sem o advogado. A pasta é comandada pelo bolsonarista Rogério Greco, ex-procurador de Justiça de Minas Gerais. A pedido do deputado, o sistema prisional “ampliou a segurança” do hacker, que agora está em cela individual. A equipe fez o preso assinar declarações em que atesta que a entrevista foi espontânea. Os documentos não citam o deputado. Apenas que as filmagens seriam usadas “no âmbito do debate da PEC 135/2019”.
Duas aparições
O nome de Marcos apareceu em dois crimes cibernéticos recentes: o ataque ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições de novembro, e o vazamento de dados da Serasa de mais de 200 milhões de CPFs. Ele também esteve envolvido em invasões anteriores, como à página do Senado. O ataque ao TSE, explorado pelo deputado, não gerou prejuízo ao sistema de votação e à contagem de votos. Os dados vazados eram administrativos.
No depoimento à equipe de Barros, o hacker mudou a versão em que negava a invasão do TSE. Disse que entrou no tribunal e passou informações a outra pessoa. Até então, a responsabilidade por esse ataque era do hacker português Zambrius, que foi preso em Portugal e afirmou ter agido sozinho.
Procurado, o deputado declarou, por meio da assessoria, que eram assessores dele as pessoas que foram ao presídio. “Em nenhum momento restou ocultado o fato de estarem vinculados ao Congresso”. Barros afirmou não haver “espaço para especular as razões pelas quais Marcos dispensou” o contato com seus advogados. Ele está preso preventivamente desde 19 de março, quando a PF deflagrou a Operação Deepwater. Os advogados afirmam que ele é investigado por receptação qualificada das informações roubadas.
Segundo o hacker, o “ativismo” é o que o motiva. Ele é conhecido por ser “defacer”, um tipo de hacker que acessa servidores de sites e altera as informações visíveis por quem os acessa – substituindo, por exemplo, o site por alguma mensagem sobre uma tela preta. Entre os alvos preferenciais estão sites de órgãos públicos. O “defacement” de páginas é visto por cibercriminosos como protestos contra o sistema.
No vídeo de Barros, Marcos é apresentado como um hacker ativista. O bolsonarista desprezou uma parte do passado do jovem. Ao ser preso em 2019, Marcos era alvo de inquérito por estelionato. A denúncia da promotoria de Uberlândia cita mais de 200 tentativas de compras de produtos na internet a partir de cartões de crédito de terceiros obtidos por fraude. Ele saiu da prisão e passou a usar tornozeleira eletrônica. Nas redes, anunciava a venda de bancos de dados roubados em troca de bitcoins. Ao Estadão, pouco antes de ser preso pela segunda vez, confirmou que costumava confiscar informações e pedir resgate por elas. As vítimas preferenciais seriam de fora do Brasil.