ABUSO SEXUAL E EXPLORAÇÃO DE MENORES: Ação pede R$ 100 milhões aos Klein e à controladora das Casas Bahia

As denúncias de abusos sexuais envolvendo Saul Klein e o pai, Samuel Klein, fundador das Casas Bahia, motivaram duas organizações não governamentais a protocolarem uma ação civil pública, em agosto de 2021, pedindo R$ 100 milhões de indenização por “dano moral coletivo causado às mulheres brasileiras”. Além de Saul e Samuel —representado no documento pelo filho mais velho, Michael—, o pedido se direciona também à Via Varejo S/A, grupo do qual as Casas Bahia fazem parte.

O documento foi assinado pelo Centro Santos Dias de Direitos Humanos e pela SOF – Sempreviva Organização Feminista. A primeira entidade foi uma das responsáveis pela ação civil pública contra o Carrefour após o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, em novembro de 2020, no estacionamento de uma unidade da rede de supermercados, em Porto Alegre. Nesse caso, a indenização paga pela empresa foi de R$ 115 milhões.

Essa é a primeira vez em que uma ação civil pública no Brasil tem relação com uma denúncia de violência sexual, explica o presidente do Centro Santos Dias, Luciano Caparroz Pereira dos Santos.

“Normalmente, é o Ministério Público que acompanha os casos e tem a prerrogativa de pedir a indenização por dano moral coletivo. Como isso não aconteceu, decidimos agir para contemplar a sociedade como um todo, com um objetivo específico: que os recursos da indenização sejam usados em políticas de proteção às mulheres”, explica Santos.

No documento, a reparação financeira é exigida “em razão do cometimento de possíveis crimes de aliciamento, estupro, exploração sexual e violência sexual contra centenas de meninas, adolescentes e mulheres” e cita Samuel, que morreu em 2014, e Saul.

Segundo as organizações afirmam no documento apresentado à Justiça, ambos “sempre se valeram do poder econômico, instalações, funcionários e mercadorias da empresa [Casas Bahia] para recrutar, intimidar e manter as jovens sob o seu jugo, bem como da forte presença simbólica da Casas Bahia no imaginário popular, contando para esse fim com a conivência da empresa-ré”.

Atualmente, Saul é investigado pela polícia após 14 mulheres o denunciarem por estupro, cárcere privado, transmissão de doença venérea, entre outros crimes, em um esquema de exploração sexual que durou cerca de 15 anos. Cinco delas estão no documentário “Saul Klein e o Império do Abuso”, de Universa e Mov.doc. Antes dele, o pai, Samuel, também agiu de forma similar e contra crianças, segundo acusações de vítimas reveladas pela Agência Pública —uma mulher que diz ter sido abusada pelo fundador das Casas Bahia aos nove anos também fala no documentário.

O advogado de Saul, André Boiani e Azevedo, nega todas as denúncias contra o empresário e afirma que ele sempre teve relações consensuais com as mulheres das quais se aproximou. Seus representantes citados na ação também foram procurados pela reportagem, assim como Michael Klein. Não houve retorno a nenhum pedido de entrevista. Apenas a Via Varejo respondeu, afirmando, em nota, “que a família Klein nunca exerceu qualquer papel de controle na Via, companhia constituída em 2011” e que não comenta “casos ou ações judiciais que envolvam terceiros”. Leia mais sobre isso ao final da reportagem.

Casas Bahia ‘financiou’ abusos, afirmam ONGs

Segundo Luciano dos Santos, do Centro Santos Dias, o grupo Via Varejo, que comanda as Casas Bahia, foi incluído na ação porque a empresa tem “um passivo” que permitiu que os crimes fossem cometidos, principalmente no que diz respeito ao poder econômico —com todo o dinheiro que veio do império do varejo construído pela família Klein, era possível, segundo a acusação, montar os esquemas de abusos que contavam com diversos funcionários, além de pagar as mulheres com altas quantias e manter uma manipulação financeira sobre elas. Além disso, aponta que muitos crimes aconteceram dentro da empresa, no caso dos que teriam sido cometidos por Samuel, com a conivência de funcionários.

“A Via Varejo pode dizer que comprou as Casas Bahia posteriormente, mas se eles virem que os casos de abuso vão impactar a empresa nas ações, na imagem, podem vir com uma proposta”, afirma Santos, referindo-se ao grupo fundado em 2011.

Para Maria Fernanda Marcelino, representante da SOF, a ação civil pública é mais um passo, além da investigação dos casos individuais, para “enfrentar o machismo em todas as esferas”. “Estamos apostando em uma via que também é importante disputar, que é a financeira. O machismo faz parte de um sistema não só patriarcal, mas capitalista. Por isso, causar danos ao capital é importante. Não resolve, mas é uma ferramenta”, opina.

Ação está parada porque juízes “jogam bomba um para o outro”, diz advogada

A ação foi protocolada, primeiramente, em Barueri, na Grande São Paulo, uma vez que as denúncias contra Saul estão sendo investigadas pela Delegacia de Defesa da Mulher da cidade. Mas o primeiro juiz, Raul de Aguiar Ribeiro Filho, da 3ª Vara Cível da Comarca de Barueri, afirmou que não havia “competência territorial” para julgar a ação, e enviou-a, em setembro de 2021, para 14ª Vara Cível de São Paulo.

Na capital paulista, com a ação em mãos, o segundo juiz, Ronnie Herbert de Barros Soares, da 14ª Vara Cível Central da Capital do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), afirmou que lá também não era o local adequado para julgá-la. Pela divergência, o TJ-SP agora, deve decidir em qual comarca a ação vai começar a correr.

“O primeiro magistrado afirmou que deveria ir para uma comarca especializada em violência contra a mulher. Não nos opomos. Mas aí o segundo juiz falou que não era com ele, que teria que voltar para o primeiro”, explica a advogada Ana Carolina Cavazza, integrante da SOF e militante da Marcha Mundial das Mulheres.

“A sensação que temos é que um está jogando a bomba para o outro porque é um caso que vai ter uma repercussão grande, uma mobilização política, e vai chamar a atenção. Parece que os juízes estão querendo evitar botar a mão nesse vespeiro”, afirma Cavazza.

Dinheiro será usado em campanhas e projetos para mulheres

De acordo com as organizações, os R$ 100 milhões solicitados como indenização poderão ser usados em campanhas e políticas públicas que contribuam para a proteção de mulheres. Mas o destino final da verba só será decidido após acordo, como acontece nesses casos de dano moral coletivo.

A ideia é que a própria empresa, as Casas Bahia e até mesmo as outras companhias que fazem parte da Via Varejo, criem uma estrutura interna de combate à violência de gênero, com ação da área de compliance e distribuição de cartazes. “A ideia é promover o debate”, explica a advogada Ana Carolina Cavazza.

Segundo Luciano Caparroz Pereira dos Santos, as ações dentro das Casas Bahia são importantes para se tornarem um case e agirem de maneira didática, podendo influenciar outras empresas.

“Caso não haja acordo mas o juiz decidir pelo pagamento da indenização, a verba poderá ser destinada para o chamado fundo difuso, usado pelo Estado em diversas áreas. “Tentamos evitar isso porque o fundo mistura muitos temas. A ideia é fazer o acordo para que seja utilizado em campanhas ligadas a mulheres”, diz.

Santos ainda afirma que, caso a ação civil pública não avance, os casos envolvendo a família Klein serão levados para cortes internacionais. “Já está no nosso horizonte levar as denúncias para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA [Organização dos Estados Americanos].”

Outro lado

O advogado de Saul Klein, que o defende das denúncias de abuso na esfera crimininal, André Boiani e Azevedo, disse à reportagem que não tem conhecimento da ação civil pública tratada neste texto e que não trabalha com esse tipo de causa em seu escritório.

Sobre as acusações de violência sexual, Azevedo, reforça que seu cliente não praticou qualquer ato ilegal ou violento e disse que todas as relações foram consensuais. Diz, ainda, que o relacionamento com as meninas era de “sugar daddy”, quando um homem se envolve com mulheres mais jovens em troca de dinheiros e presentes.

Os advogados citados na ação civil pública como procuradores de Klein também foram procurados, por telefone e e-mail, e não deram retorno até a publicação deste texto. São eles: Márcio Mello Casado, Dariano José Secco, Marcello Daniel Covelli Cristalino e Marcos Magalhães. O contato telefônico foi feito com o escritório Márcio Casado e Advogados, e a secretária que atendeu às duas ligações da reportagem afirmou que repassou o pedido à secretária pessoal do advogado Márcio Casado e que ela iria entrar em contato. Não houve retorno.

A Via Varejo S/A enviou uma nota de resposta, reproduzida na íntegra abaixo:

“Esclarecemos que a família Klein nunca exerceu qualquer papel de controle na Via, companhia constituída em 2011 para gerir as marcas Casas Bahia, Ponto, Extra.com.br e Bartira. A empresa, que até agosto de 2019 fazia parte do Grupo Pão de Açúcar, é hoje uma corporação independente, sem bloco controlador, como pode ser conferido no link https://ri.viavarejo.com.br/governanca-corporativa/estrutura-societaria/. Dessa forma, não comentamos sobre casos ou ações judiciais que envolvam terceiros.

A Via, que até 2019 fazia parte do Grupo Pão de Açúcar, é muito clara em seus valores e princípios de conduta. Repudiamos veementemente todo e qualquer tipo de assédio, práticas ilegais e atos discriminatórios em nossas dependências, incluindo nossa sede administrativa e nossas lojas. Nosso código de ética e conduta, distribuído para todos os nossos colaboradores, é o guia que regula todas as ações da empresa, sendo sua aplicação acompanhada por auditorias independentes.”

Michael Klein, citado como representante do espólio de Samuel Klein na ação, também foi procurado. A reportagem entrou em contato com o Grupo CB, liderado por ele, que informou o celular da secretária de Michael, Adriana.

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