O PREÇO DA VAIDADE: Médico e digital influencer é investigado após cirurgias plásticas deixarem mulheres deformadas

Seguido por 164 mil pessoas no Instagram, o cirurgião plástico mineiro Felipe Villaça Guimarães é acusado por um grupo de mais de 30 mulheres de cometer erros médicos, que vão da “perda do umbigo” à necrose. Ele nega as acusações.

O que aconteceu

A Polícia Civil de Minas investiga Villaça. São ao menos 25 boletins de ocorrência registrados em diferentes delegacias nos últimos três anos. As queixas são contra o médico e sua rede de clínicas, que leva as iniciais de seu nome: FVG Operação Plástica.

Delegado está colhendo depoimentos. “A gente instaurou dois procedimentos em nossa área, mas há outros em outras delegacias envolvendo essa mesma pessoa”, diz o delegado Emílio de Oliveira da Silva, da 2ª Delegacia da Regional Sul de Belo Horizonte. “Estamos coletando declarações de testemunhas. Algumas mulheres são do interior, o que torna o contato mais difícil”, diz ele, que não quis entrar em detalhes “para não atrapalhar a investigação”.

Rede médica tem quatro unidades. Com três clínicas e um hospital de apoio espalhados por bairros nobres de Belo Horizonte, a FVG começou a atuar em 2019. Em janeiro de 2021, quatro sócios (Davi Arizaga, Lucas Rezende, Marcio Resende e Marco Túlio Ferreira) entraram no grupo.

Supostas vítimas se unem no WhatsApp. Um grupo no aplicativo reúne 39 mulheres que se dizem vítimas de erro médico e entraram com processos na Justiça —36 delas foram operadas por Villaça, outras três são clientes da clínica. Os principais problemas relatados são: necrose, deformação e infecção após os procedimentos.

A maioria delas relata mais de um erro. Somados, os procedimentos em que as pacientes relatam complicações são: 20 lipoesculturas, 19 abdominoplastias (retirada de pele e gordura do abdômen), 13 mastopexias (reestruturação da mama), 7 mastopexias com prótese de silicone, 6 lipoenxertias de glúteo (aumento e/ou remodelação das nádegas), uma redução de mama com prótese, uma rinoplastia (nariz), uma cirurgia íntima e uma blefaroplastia (retirada do excesso de pele das pálpebras).

O Conselho Regional de Medicina de Minas investiga. O órgão abriu uma sindicância para avaliar as suspeitas contra Villaça, mas não informou em que estágio está a apuração porque “todos os processos correm sob sigilo”.

Médico nega as acusações. Villaça diz que a FVG oferece “o que há de melhor em cirurgias plásticas no mundo” e que é “perseguido por uma quadrilha” que busca reembolso e não suporta o sucesso de um médico de 39 anos (leia mais abaixo).

Clínica diz que pacientes são informados de riscos. Procurada, a FVG Operação afirma em nota que o corpo de cada pessoa tem características particulares, “todos os procedimentos cirúrgicos invasivos estão sujeitos às complicações” (leia mais abaixo).

Laudos provam erros, diz acusação. Francisco Gomes Júnior, advogado que representa algumas das mulheres, diz que só aceitou os casos depois que as pacientes apresentaram laudos médicos “porque não basta alegar, precisa de prova técnica”. Segundo ele, os laudos atestam “erros grosseiros”.

Em uma live em maio deste ano, Villaça comentou sobre erros médicos de forma genérica, sem tratar dos casos em que é acusado, e disse:

Por que cirurgia dá muito mais complicação em gente amargurada? Pelo mesmo motivo que câncer dá mais em gente amargurada: Energeticamente, você precisa estar bem para as coisas na sua vida darem certo. Se você entrar em cirurgia com a energia baixa, com a energia ruim, com pensamento negativo ou querendo tratar um problema que não é aquele, não vai dar certo.
Felipe Villaça

Não existe na literatura médica nada que relacione “pessoas amarguradas” à ocorrência de erros médicos ou câncer.

Questionado sobre a declaração, Villaça disse que era preciso entender o contexto: “Quem busca na plástica a solução para outros problemas, que não a autoestima, sempre se frustrará. E, como tudo na vida, quem está com a ‘energia’ negativa prejudica o processo”.

O que dizem 3 pacientes sobre o médico

Famoso no Instagram. Três mulheres ouvidas pela reportagem sempre começam seus relatos falando sobre a fama de Villaça e sua clínica (com 79 mil seguidores) no Instagram.

Escolhi a clínica do doutor Felipe porque o acompanhava nas redes. Como ele é conhecido, achei seguro.Vera Lúcia Moreira, 39, técnica de enfermagem

Entrei no Instagram dele, vi muitos relatos e marquei consulta.Adriana Santiago, 32, gerente comercial

“Minha barriga necrosou”

NA FOTO DE CIMA O INÍCIO DA NECROSE - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal

A lojista Érica Santos (nome fictício), 40, diz ter desembolsado R$ 40 mil para fazer uma abdominoplastia depois de economizar por anos e fazer um empréstimo. “Saí da cirurgia com a barriga roxa. Achei que fosse normal, mas eu gritava de dor”, diz. Depois de quatro dias, “o roxo ficou preto” e sua irmã, enfermeira, alertou que era necrose.

Ela entrou em contato com o médico e ameaçou chamar a imprensa, e aí eu consegui ver a cara dele [Villaça] por cinco minutos. Ele assinou uma receita e me deixou com a enfermeira.
Érica

Essa profissional de saúde retirou a carne podre “fora do centro cirúrgico”, diz ela. “Demorou nove meses para a ferida fechar.”

Ela afirma que pediu avaliação a um cirurgião-geral e a um cirurgião-plástico. “Eles disseram que o médico tirou mais gordura e pele do que o permitido e que não têm coragem de fazer nada em mim”, conta.

Passo com terapeuta e psiquiatra porque entrei em depressão. Estou afastada do trabalho, não vou à praia, clube, não uso blusa curta, tenho de esconder meu corpo.
Erica

“Fiquei sem umbigo”

"fiquei sem umbigo" - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal

A técnica em enfermagem Vera Lúcia diz que conversou pelo Instagram com Felipe, que “vendeu mundos e fundos e depois sumiu”. No dia da consulta, quem apareceu foi o médico e sócio Marco Túlio Ferreira. “Ele disse que ia dar tudo certo”, conta.

Vera afirma ter pago por quatro cirurgias, mas que apenas três foram realizadas em outubro de 2021: lipoenxertia de glúteo, abdominoplastia e lipoescultura de tronco.

Ela conta que saiu com a barriga muito roxa após nove horas de cirurgia. “Como sou técnica de enfermagem, avisei que não tinha circulação e ia necrosar”.

Meu bumbum está torto e a barriga ficou bizarra: deu necrose, tenho um buraco nela e não tenho umbigo! Nem gosto de olhar. Paguei R$ 26 mil e faltou uma cirurgia. Fiquei de cama sem trabalhar por oito meses e sinto dor até hoje.
Vera Lúcia

Vera diz que procurou outros médicos, que explicaram não haver pele suficiente para consertar. “Outro médico cobrou R$ 125 mil porque não teria cicatrizado totalmente e a cirurgia tem risco”, lamenta. Ela não realizou o novo procedimento.

Procurado, Marco Túlio admitiu que “de fato teve uma complicação, o que pode acontecer”. “Ela teve todo o suporte. Foram seis meses de pós-operatório até a cicatrização completa”, diz o médico, que negou a roxidão no abdômen após o procedimento. “A região começou a escurecer mais de 24 horas depois.”

“O próximo passo era melhorar a cicatriz. Foi quando eu indiquei um reparo.” Ele diz, no entanto, que Vera desistiu da cirurgia após recusa do médico em realizar uma lipoaspiração adicional nas coxas.

Vera diz que desistiu da reparação porque Marco Túlio lhe pediu que assinasse um termo se responsabilizando por qualquer dano na operação, já que, segundo um dermatologista indicado pela clínica, ela teria uma doença autoimune que provocaria o aparecimento de feridas, o que foi descartado por outro médico em um laudo.

Sobre as cirurgias adicionais, Vera diz que pediu a lipoaspiração de culote, que ela afirma não ter sido realizada mesmo depois de pagar. O médico nega: “A gente fez o que foi acordado”.

“Errou minha cirurgia íntima”

A gente comercial Adriana Santiago tem hipertrofia de clitóris e diz que seu “sonho era fazer uma clitoroplastia”. Mesmo desestimulada por três médicos, ela marcou consulta com Villaça depois de encontrá-lo no Instagram.

“Expliquei que isso acabava com meu psicológico porque as roupas marcam e me atrapalha no sexo. Ele respondeu que já tinha feito várias cirurgias do tipo, até na própria esposa”, conta.

“Me vendeu um pacote por R$ 11.500. Disse assim: ‘Você vai ficar com uma pepequinha igual de criança’. Aí eu fechei na hora”, conta. “Hoje acho que era uma técnica de venda…”

Depois da operação, ela notou que “um dos pequenos lábios ficou maior que o outro, o clitóris estava muito estranho”. “Quando mandei mensagem ao suporte, responderam que ‘a cirurgia de silicone é assim mesmo'”.

“Numa consulta de retorno, eu disse que parecia que não teve cirurgia. Ele pediu para esperar três meses, depois seis, um ano…”, conta.

Fiquei com muita vergonha. Só tinha relação com meu marido de luz apagada, tinha dificuldade em deixar me tocar. Continua marcando na roupa de academia e machuca quando faço bicicleta.
Adriana Santiago

O que diz o médico

Villaça afirmou que sua clínica tem 20 cirurgiões, mais de 15 mil cirurgias realizadas e um núcleo exclusivo de tratamento de feridas e complicações.

“Essa conversinha… com o volume de clientes que eu tenho e com o nome que eu tenho, esse pessoal quer o quê?”, questiona. “Proporcionalmente, qual a relevância?”

“Posso ser processado, mas quantos [processos] eu perdi? Nenhum”, afirma. Os processos, porém, ainda tramitam na Justiça. “Do mesmo jeito que existe boletim de ocorrência, nunca chegou nada para eu depor.”

Procurada, a Polícia Civil não revelou detalhes da investigação. Orienta em nota que “outras vítimas procurem a delegacia mais próxima e registrem os fatos para que sejam devidamente apurados”.

Veja outras frases do médico:

Qual o intuito de manchar a imagem de um profissional sério, que acorda cedo e está construído um legado? É uma amostra oportunista, viciada, de gente desqualificada.

Essas 40 pacientes são uma quadrilha, já tem boletim e processo contra elas. E do mesmo jeito que essa quadrilha quer manchar minha imagem, eu quero o meu direito sobre isso.

Vou dizer que nunca tive complicação? Não, mas te garanto que muitos desses casos vi as fotos e pergunto: qual a queixa?

Hoje, cobro o maior ticket [valor por cirurgia] de Belo Horizonte. Acha mesmo que isso aqui é um serviço de segunda, que mutila as pessoas, um serviço picareta? Aqui entrego a melhor jornada que uma pessoa pode ter em cirurgia plástica do mundo!

As cirurgias acontecem no Hospital São Rafael. Esse hospital é meu, o segundo hospital que eu construo. Sem ajuda de ninguém, fruto do meu dinheiro para fazer o que tem de mais top para nossos pacientes.

Agora, sou um cara de 39 anos e dono de um dos hospitais mais tops do Brasil. O que incomoda os outros é o sucesso.

O que diz a clínica

Em nota, a FVG Cirurgia Plástica diz que “todos os procedimentos cirúrgicos invasivos estão sujeitos às complicações” e que “cada organismo é único e, muitas vezes, as reações adversas ocorrem, independentemente da técnica”.

Afirma que os pacientes são informados sobre os riscos e que, antes de qualquer cirurgia, todos eles assinam um termo de consentimento “dando ciência e aceitando tais fatos, caso ocorram”.

“Não teríamos construído essa trajetória se as exceções fossem a regra e se não nos preocupássemos com todas as nossas pacientes!”, diz.

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